segunda-feira, 21 de junho de 2010

ENTREVISTA: MURILO RODRIGUES

Nosso novo entrevistado é Murilo Rodrigues, formado em Arquitetura e também em Educação Artística, ciclista eventual e integrante de uma nova geração de artistas que tratam de assuntos referentes as problemáticas contemporâneas em Belém. Murilo nos concedeu essa entrevista falando um pouco de sua vida, arte, música e de seus amores. 

1.  Fala pra gente um pouco sobre a tua pessoa, o que fazes, do que gostas, enfim...
É sempre muito difícil de falar de si. Vinte cinco anos. Formado em Arquitetura e Urbanismo e Educação Artística. Apaixonado por ambas as formações. Atuante nas duas profissões, buscando um mutualismo entre as mesmas. Pessoa discreta, que acredita que as artes visuais podem contribuir para a construção de um mundo mais justo.
Gosto de sair pra namorar na orla de Belém no fim de tarde (ver o pôr-do-sol é cafona de ser dito, mas legal de contemplar com quem se ama). Gosto de sair com a namorada e amigos pra conversar em algum barzinho, ouvindo boa música. Sair pra pedalar no fim de tarde e entrar pela noite, sozinho ou em grupo. Viajar sem destino.

2.   Te conhecemos na Faculdade de artes da UFPA, lá não eras artista ainda. Conta como foi o início das tuas atividades e o que te levou a trabalhar com a arte atual?
Foi a partir da disciplina Escultura II no curso de Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas. Em sala, concebemos em trio (eu, Carla Evanovitch e Eduardo Wagner) o projeto “Trânsitos Mutantes”. Após algum tempo nos debruçamos no projeto a fim de deixá-lo apto a concorrer ao Arte Pará 2007 e assim tivemos nosso primeiro trabalho inscrito e selecionado em um salão de Arte Contemporânea.
A continuidade no processo criativo veio a partir da consolidação da dupla com Carla Evanovitch e o estímulo recíproco. Apesar de não termos mais inscrito nenhum trabalho em parceria até o presente momento, construímos ao longo de nosso namoro cumplicidade em todos os nossos trabalhos, que vai do processo criativo até a materialização dos mesmos.

3.   Como funciona teu processo criativo?
De maneira geral, a partir de inquietações sobre fatos que vivencio cotidianamente, em sua maioria, provocados pelo meu objeto de estudo: o espaço urbano contemporâneo. Problemas no trânsito como a violência e os engarrafamentos intermináveis que modificam o sentido da palavra “trânsito”. A própria violência urbana, a prostituição, o comodismo, o consumismo, o bombardeio midiático, o lixo, a poluição, etc.
Como exceção a regra, tenho o trabalho que homenageia meu cachorro que faleceu enquanto eu viajava para o ENEARTE em 2007. A obra intitulada “Black Bird” foi premiada no CCBEU no mesmo ano. Esse trabalho falava de memória e relações afetivas.

4.  Quais as influências artísticas (música, livros, filmes, etc), para os trabalhos?
Meu pai me chama de “Bicho grilo”, meus gostos artístico-visuais e musicais sofrem influência direta das décadas de 1960/70, no sentido de se posicionar contra as guerras, sob o slogan Paz e Amor, e de subverter a ordem quando for preciso, se manifestar e lutar pelos direitos. Meus principais filmes da lista são The Dreamers (2004) e Hair (1979); minhas influências musicais são principalmente: Raul Seixas, Janis Joplin, Beatles, Wander Wildner, O Rappa, Pink Floyd, The Doors; influências artísticas como: Hélio Oiticica, Internacional Situacionista, Provos e Banksy.

5.    Foste agraciado com um prêmio em artes visuais em 2009 por uma instituição de Belém, o nome do projeto era “Deslocamentos” que envolvia o pensamento dos Provos, Ciclo ativismo. Conta pra gente como foi esse projeto?
Todo o dia ao me deslocar do Centro de Ananindeua até o centro de Belém. Percebo que o que deveria ser “trânsito” se torna estático. O então fluxo que deveria acontecer dá lugar a um engarrafamento infindável. Muitos automóveis apressados, no afã de vencer o engarrafamento, colocam em risco a vida de centenas de ciclistas e pedestres que percorrem os acostamentos da BR 316. Resultado: neste percurso diário tenho o desprazer de presenciar acidentes todos os dias, de pequenas batidas até as cenas mais macabras como um ciclista que teve sua abeca arremessada fora do corpo. O descaso do poder público me indigna como urbanista ciente que existem soluções emergenciais para a via, como cidadão que pode se manifestar e como artista, que pode usar da arte para modificar consciências.
Sendo assim, busquei neste trabalho, chamar atenção do governo para a necessidade de providenciar soluções para esse problema; pontuar a cidade como direito de todos, pois o ciclista tem o direito de se deslocar utilizando a bicicleta de maneira segura e os automóveis devem respeitar isso, e por fim possibilitar, aos ciclistas e aos que tem medo de andar de bicicleta por uma série de fatores, o percurso seguro do município de Marituba, onde partem grande parte dos ciclistas que vem para Belém, passando por Ananindeua, até as dependências do Banco da Amazônia, onde seria a exposição e a experimentação da tomada das ruas pelas bicicletas.
Com efeito, em Belém havia sido inaugurada uma suposta primeira “via ecológica” da cidade, que após a derrubada de diversas árvores foi concebida sem ciclovias ou arborização das calçadas. Esse seria o mote para uma manifestação que antecederia a exposição. Como os Provos na década de 1960 realizaram manifestações com bicicletas brancas, convidando as pessoas através de sua revista para se manifestar em referida data, pintando suas bicicletas de branco e comparecendo para a performance coletiva, essa proposta foi apropriada  e reproduzida, conseguindo reunir cerca de 45 ciclistas em uma data limite que antecederia a exposição, na qual compareceram ciclistas por esporte, por falta de opção de transporte, por ativismo, por paixão e artistas que buscavam uma nova experimentação estética. Foi o momento que entrei em contato com movimentos cicloativistas e acabei me tornando membro.

6.   Uma pergunta capciosa: como alguém que é proprietário de um carro consegue defender o uso da bicicleta em Belém?
Bastante capciosa! Na verdade o carro não é meu, é da minha família! Utilizo para fazer percursos longos, pois onde moro, o transporte coletivo é carente e deficiente. Infelizmente, é grande o número de pessoas que dependem diariamente de um transporte público precário, essa também é uma discussão que transpassa o meu trabalho.
Com a exposição “Deslocamentos” minha intenção não era abolir o uso dos carros e sim conscientizar a população sobre o uso consciente. Compreendo que o carro dever ser utilizado como um meio de transporte e não como uma “arma de destruição em massa”. Contudo, eu e a exposição acabamos vertendo para outro lado: a apologia ao uso da bicicleta. Hoje, faço percursos pequenos de bicicleta, como ir à padaria, farmácia ou para visitar amigos no mesmo conjunto. O uso do carro naturalmente foi se restringindo praticamente as saídas aos finais de semana, pois o retorno para casa é longo e dificultoso e acabaria inviabilizando programas noturnos com a namorada e/ou amigos uma vez que moro afastado do centro da cidade.

7.  Outra pergunta relacionada ao “Deslocamentos”: houve uma crítica a este trabalho feita pelo Dr. Luizan Pinheiro, escreveste também uma resposta e tal. Como você percebe hoje em dia esse acontecimento?
A referida crítica foi concebida de forma equivocada, sendo elaborada a partir de argumentos que surgiram de uma brincadeira que Bruno Cantuária fez em seu Orkut acerca de meu trabalho, e não sobre o trabalho propriamente dito.


8.  Murilo, como arquiteto e urbanista, percebes algum futuro para Belém em termos de melhoria do trânsito?
Tenho uma visão bastante pessimista para o futuro não só de Belém, mas de metrópoles de países subdesenvolvidos. É preciso investir em políticas públicas efetivas para amenizar esse problema. Primeiramente, punir de forma mais severa os assassinos em potencial que estão guiando automóveis de forma imprudente. Com isso, se estimularia o uso de transportes alternativos, como a bicicleta; conjuntamente, a construção de ciclovias arborizadas para proteger os ciclistas também da insolação direta; e principalmente revitalizar o transporte coletivo. Rever completamente a forma como o mesmo está atuando de forma precária na cidade.

9.   Mudando de assunto, qual tua percepção sobre a jovem cena artística de Belém? E o pessoal “da antiga”? Há conflitos ou tudo acontece numa boa?
Os novos artistas estão demarcando seu espaço na cena artística, tanto nos espaços institucionais como nos espaços alternativos.
Em relação à geração que está em cartaz há mais tempo, tenho percebido grande interação com a nossa. Artistas como Orlando Maneschy, Val Sampaio, Alexandre Sequeira, Armando Queiroz, Ruma, Jocatos, estando vinculados ou não a universidade, são pessoas acessíveis que parecem primar por esse contato entre gerações.

10.   Sabemos que gostas de um bom e velho Rock`n Roll. Como anda essa tua veia, estourou? O que andas ouvindo?
Continuo injetando doses cavalares do bom e velho Rock’n’roll ao visceral punk rock. Ando ouvindo o que ouvia “há dez mil anos atrás” e bandas independentes que vieram para libertar a geração do “rebolation”, como: “cordel do fogo encantado”, “Bazar Pamplona”, “Jonnhy Rock Star”, “Cravo Carbono”, “The Feitos”, entre muitas outras que encheriam algumas páginas!

11. Tens uma forte relação com a política, tanto que você já foi do Centro Acadêmico do curso de Artes Plásticas na UFPA. Sendo algo não muito comum nos artistas da geração atual, de onde veio esse engajamento político que você demonstra nas suas ações e no seu discurso?
Esse engajamento político é genético, meu bisavô quando veio da Espanha para o Brasil, trazia na embarcação idéias revolucionárias que contagiariam meu avô, meu pai e meus tios, e conseqüentemente mais de uma dezena de pessoas da quarta geração. Obviamente nem todos os filhos, netos e bisnetos de meu bisavô atuam politicamente, mas todos na família tiveram a oportunidade de aprender a se sensibilizar e se indignar diante das injustiças do mundo, e principalmente acreditar que mudanças sociais são possíveis, mas é preciso contribuir na construção de um mundo melhor, desde o voto consciente a contribuição em um Centro Acadêmico, ou mesmo em um trabalho de arte que busque despertar o indivíduo do seu estado passivo.

12.  Tens algum projeto em mente no momento? Poderia nos falar a respeito?
Sim. Após quase três anos da execução do primeiro e até então único trabalho assinado em parceria com Carlinha Evanovitch (mesmo que sempre produzindo com cumplicidade), estamos elaborando proposições que possam unir peculiaridades de criações anteriores. Mas nada definitivo ainda. Também em breve estarei colocando em prática mais uma experimentação sobre minha pesquisa com sombras.

13.  Como estão acontecendo neste momento as atividades do Bicicletada em Belém? Os participantes do “Deslocamentos” estão ainda na ativa ou após a exposição o número de participantes diminuiu?
A exposição rendeu considerável visibilidade ao Movimento. Contudo houve redução no número de participantes neste início de 2010, e estamos nos reunindo para promover a 1º Bicicletada temática em Belém: Bicicletada Junina, no intuito de deixar o evento mais atrativo, lúdico e familiar. Aproveito o espaço para fazer o convite: dia 26 de junho venha pedalar caracterizado ou não, mas em prol de uma Belém como direito de todos. Concentração às 16:30h no Mercado de São Brás com saída às 17h.

14- Foste membro do centro acadêmico na época da universidade e fizeste parte de algumas mobilizações estudantis. Acreditas que teu envolvimento com o cicloativismo tenha a ver com essa veia política?
Certamente. Também participei do Grêmio estudantil no fim do meu período colegial e de uma rádio comunitária pouco antes de entrar no Centro Acadêmico. Acho importante o cidadão estar organizado em movimentos de resistência social ou cultural. Foi esse meu viés político que me fez adentrar no movimento cicloativista Bicicletada e buscar contribuir para o fortalecimento do mesmo.

Agradecimentos: Carla Evanovitch
Créditos das fotos em ordem: Ubirajara Bacelar, Carla Evanovitch, Luciana Magno, Carla Evanovitch, Carol Abreu e Ubirajara Bacelar.

Leia também as entrevistas com Alexandre Sequeira e Alex Reuben.

4 comentários:

Artur Couto disse...

adorei.
parabéns pelos trabalhos.

:)

Alexandre Sequeira disse...

Parabéns querido Murilo!! Mas tenho uma pergunta: me colocaste numa geração que está em cartaz há mais tempo...isso é o mesmo que dizer que sou do paleolítico paraoara??

Murilo Rodrigues disse...

Obrigado pelos parabéns aos dois!
Querido Alexandre, quis dizer mais de 5 anos! rsrs
Abraços

Anônimo disse...

Eu vi uma exposição desse cara no CCBEU, depois vi o mesmo cachorro grafitado na cidade velha. Parabéns!

Sucesso.

Paulo