Alexandre Romariz Sequeira nasceu em 1961, em Belém do Pará. Professor da Faculdade de Artes Visuais da UFPA, com especialização em Semiótica e Artes Visuais. Atualmente, faz mestrado em Arte e Tecnologia. - UFMG, desenvolvendo trabalhos em fotografia e participando de exposições no Brasil e exterior. Destaques para: “Une Certaine Amazonie” na França; Bienal Internacional de Fotografia de Liège/ Bélgica; “Quatro Artistas Brasileiros” Engrame/ Canadá e Projeto Portfólio em São Paulo/Brasil. Não esquecendo de dizer que é um sujeito super bem humorado, bom de papo e muito responsável.
Novasmedias!?
Primeiramente, fale um pouco de você, o que já fez e o que faz hoje em dia.
Fiz vestibular para arquitetura na UFPa em 1980. Na época, não tinha muita certeza de que a arte seria minha principal área de atuação profissional, mesmo adorando desenhar e pintar. Assim que acabei meu curso em 1984, mudei para São Paulo, onde trabalhei e fiz vários cursos na área do design gráfico. A fotografia surgiu aí, em alguns cursos que fiz, mas ainda relacionados a essa minha experiência profissional em estúdios gráficos. Ao voltar à Belém, participei de um curso no Fotoativa, fui trabalhar no Curro Velho, e comecei a vislumbrar um caminho a seguir especificamente no campo das artes.
Bem, com relação ao teatro, acho que, de certo modo, isso também tem a ver com meu tempo de Curro Velho. Convivia ali com profissionais incríveis de várias linguagens e formas de expressão, como, no caso do teatro, com a Wlad Lima, a Olinda Charone, Valéria Andrade, Adriano Barroso, Alberto Silva, Astréia Lucena, Nando Lima, Marton Maués e tantos outros. Isso fez com que me envolvesse mais e mais com essa tribo, criando peças gráficas para alguns espetáculos ou até dando opiniões em cenografias.
Num certo dia, a Wlad me convidou para participar de uma montagem. Aceitei de pronto! Vi ali a oportunidade de desenvolver algumas questões que me ajudariam no exercício de conduzir uma aula, que a meu ver, é uma forma de espetáculo também – você precisa manter a platéia interessada no que você está falando. Gostei tanto, que segui por mais 4 montagens – sempre sob a direção da Wlad, que é uma das pessoas mais instigantes que já conheci na minha vida.
Depois, foi necessário focar um pouco mais nas artes visuais, e nas minhas atividades didáticas. Fui professor por alguns anos no curso de Artes Visuais na UNAMA e após um tempo prestei concurso para ocupar a função de professor do curso de Artes da UFPa (onde trabalho há 13 anos). Mas confesso que me coloco sempre disponível a uma nova experiência de palco.
Trabalhastes em Belém, na Fundação Curro Velho durante algum tempo. Ela foi um local onde encontravas todos os dias, outros artistas como Armando Sobral, Ednaldo, Jocatos, Dina Oliveira, Mardock. Como era esse convívio entre artistas?
A experiência de trabalhar na Fundação Curro Velho por 14 anos foi absolutamente determinante para tudo o que penso sobre arte hoje. Foi um momento em que experimentei concretamente a comunhão entre arte e vida, entre ética e estética. Pessoas das mais variadas procedências e camadas sociais se encontravam diariamente movidos pelo interesse de experimentar diferentes formas de olhar para o mundo, pelo interesse em estabelecer relações com outras pessoas, trocar idéias, aprender e ensinar.
Via pessoas vindo de bairros distantes, para, por exemplo, cantar ou dançar. Não se tratava de buscar algo que as possibilitasse ganhar dinheiro, mas tão somente, buscar algo que as fizesse bem. Atitudes como essa, me aproximavam do que considero de mais fundamental no fazer artístico: não esperar nada em troca, se não, simplesmente o prazer em fazer. E desse modo, sem perceber, muitos encontravam ali uma vocação, um projeto de vida.
Belém se acostumou então, a ver nas listas de inscritos e premiados dos principais eventos artísticos da cidade, a presença de inúmeras dessas pessoas, carinhosamente chamadas de “crias do Curro Velho”. As noites de abertura de Salões como o Primeiros Passos, o Pequenos Formatos ou o Arte Pará se convertiam em ponto de encontro e celebração desses jovens artistas na cena paraense. Sou muito grato pela oportunidade de ter passado esses anos lá, de ter assistido a esse momento tão rico para a cena cultural de nossa cidade, e sei o quanto tudo o que faço em arte agora é, de certa forma, influenciado por essa experiência de vida.
Muitos artistas que estão hoje por aí se formaram artisticamente na Fundação CV, não é? Como é encontrar essas caras agora aí no cenário artístico, mandando ver?
Vou tomar a liberdade de discordar um pouco da formulação da pergunta. Não penso que muitos desses artistas que hoje admiramos se “formaram” no Curro Velho, mas sim, encontraram ali um espaço favorável a trocas de idéias e experiências; um lugar onde podiam desenvolver suas aptidões. Ninguém está no mundo de mãos vazias.
Os que ali encontram na arte um motivo, um projeto de vida, seguiram em frente buscando novos espaços de crescimento profissional. Hoje facilmente encontramos muitas dessas pessoas, freqüentando os cursos de graduação em arte oferecidos pelas universidades da cidade, ou já vivendo dela, conduzindo oficinas e workshops em diversas instituições culturais, inclusive o Curro Velho.
Tens alguma obra ou trabalho do qual mais gostaste até agora? Qual foi?
Essa é uma pergunta difícil de responder. Gosto do novo, do que me tira as certezas. Talvez por esse motivo sinto-me permanentemente movido e tocado por novos trabalhos. Só de Belém, poderia gastar muitas linhas dessa entrevista citando inúmeros artistas e obras que gosto muito. Mas tudo bem... se é para citar um, a trajetória artística do Acácio Sobral sempre me encantou muito! Adoro toda a produção dele!
Alexandre, chegaste a viajar para fora do Brasil, Bélgica, não é? Fala pra gente sobre a tua percepção em relação ao tipo de trabalhos que viste por lá. E esse gigantismo das obras é muito presente, como vemos nas bienais no Brasil?
É com muita satisfação e prazer que tenho recebido com mais freqüência, convites para participar de exposições em outras cidades do Brasil, ou em outros países. Foi o caso da Bienal da Bélgica e mais recentemente da Bienal de Havana, de uma exposição no Reino Unido e, em julho próximo, na cidade de Valência, na Espanha. Adoro viajar e, quando a razão da viagem é participar de eventos artísticos, a experiência converte-se numa comunhão de inúmeros interesses: conhecer outras culturas, outros artistas e, o que é maravilhoso, perceber in-loco como seu trabalho é recebido nesses lugares.
Acho que a Bienal de Havana foi uma experiência marcante nesse sentido. Eram quase 200 artistas do mundo todo. Um verdadeiro caldeirão cultural! Em eventos como esse, encontramos proposições que vão do delicado – do que cabe na palma de uma mão –, ao grandioso e espetacular, e é um excelente exercício para percebermos que nem sempre a potência de um trabalho tem uma relação direta e proporcional à sua escala.
Quais artistas (independente da linguagem artística) te influenciaram ou influenciam até hoje?
Quando ainda era adolescente, meus pais me presentearam com uma coleção de livros que reunia os acervos dos grandes museus de arte do mundo. Aquilo passou a ser minha distração. Não me cansava de folhear aqueles livros, devorando as imagens, procurando decorar nome de artistas e obras. Sinto que desde então sempre procurei aproveitar de tudo um pouco, de cada momento ou fase da produção artística mundial – às vezes por alguma questão técnica; outras vezes por uma questão mais ligada à linguagem.
Desde pequeno, adorava desenhar, e era muito claro perceber, por exemplo, quando num desenho meu, surgiam influências de algum artista daquela coleção de livros que eu estava interessado. É natural que a gente dirija nossas atenções, especialmente a trabalhos que, de alguma maneira, dialogam com o que a gente está desenvolvendo naquele momento específico. Por isso acredito que esses interesses e influências seguem a livre flutuação de nossas fases de criação. Por exemplo, no momento, me sinto muito interessado em processos criativos de ordem relacional, que envolvem o outro.
Para quem não sabe como é o processo de elaboração dos seus trabalhos, você poderia nos falar a respeito?
Creio que um trabalho artístico sempre se refere às relações que o artista estabelece com o mundo, com a vida de um modo geral. O que faço em arte surge invariavelmente de algo que está bem próximo a mim, de algo que me toca. Às vezes surge de um livro que estou lendo, de um filme, de um fato que presencio, ou mesmo de algum sentimento muito particular que não consigo sequer compreender claramente. Aí busco na arte um meio de refletir sobre aquela determinada questão e por fim, emitir alguma consideração.
Ultimamente tenho usado muito a fotografia em meus processos. Como disse antes, gosto muito de viajar. Sou meio andarilho e, mesmo na região em que nasci e cresci, costumo muito pegar o carro e me lançar na descoberta de lugares que ainda não conheço. Nessas andanças, a máquina fotográfica quase sempre é minha inseparável e, em muitos casos, única companheira. Assim, pendurada em meu ombro, ela acaba fazendo com que, muitas vezes, eu seja percebido pelos moradores desses locais que visito como “aquele que anda fotografando as coisas”. É a fotografia que me introduz, que me apresenta nesses contextos sociais. Como um crachá de identificação. Por esse motivo, sempre que alguém se aproxima, a fotografia acaba se tornando o assunto inicial, o ponto de partida para o início de uma relação com as pessoas.
É muito curioso perceber como hoje, num mundo cada vez mais ditado pela comunicação a partir das imagens, a fotografia se torna um assunto de grande interesse para qualquer pessoa. É a partir de como as pessoas lidam com ela, que percebemos seu entendimento sobre questões como identidade, auto-reconhecimento ou mesmo visão de mundo.
No momento, venho desenvolvendo uma pesquisa em um pequeno vilarejo do interior de Minas Gerais. Como meus trabalhos anteriores, este também estabelece redes relacionais tendo a fotografia com vetor de aproximação e troca. Nele, me relaciono com um senhor de 84 anos e seu neto de 13.
O senhor, envolto em rememorações, trata de sua relação com o pequeno vilarejo com o pensamento sempre voltado para o passado, enfatizando a importância da fotografia como documento de algo que aconteceu; como algo que adere o fiel registro do referente. O neto, movido por um turbilhão de imagens fantasiosas tão comuns ao universo infantil, relata sua relação com a vila com os olhos voltados para o futuro. Assim, considera sempre a fotografia em sua incompletude, como algo incapaz de dar conta do elemento retratado, do fato ocorrido e, por esse motivo, sempre aberta a infinitas novas interpretações a cada nova apreciação. Eu me situo no exato ponto de tangência entre esses dois modos de olhar para o mundo – ambos repletos de fabulações.
A partir desses entendimentos tão distintos do que representa a fotografia (tão pertinentes aos seus fundamentos estéticos), reflito sobre maneiras dar conta dessas interpretações de mundo tão particulares, do que entendemos por realidade. De nosso convívio surgem fotografias (realizadas por mim, pelo avô e pelo neto), desenhos e mapas feitos por eles e relatos orais, que me ajudam a construir a história desse encontro – uma entre tantas possíveis.
Como ficou a relação com os paraenses, pois hoje em dia você está fazendo mestrado e morando em Belo Horizonte? Qual a sua visão sobre Belém atualmente?
Procuro me manter o mais próximo possível com o que acontece em Belém. Leio os jornais virtualmente, visito blogs e mantenho um contato permanente via web com meus amigos que atuam na área cultural.
Sempre fico muito impressionado com a vitalidade da produção artística paraense. Como exemplo, poderia citar o incrível número de artistas participantes da mostra Indicial – Fotografia Contemporânea Paraense, realizada no SESC Boulevard, ou a exposição Amazônia – a arte, com abertura prevista para junho próximo no Museu da Vale, na cidade de Vitória/ES, reunindo um número impressionante de artistas do estado. É difícil ver essa vitalidade em vários outros estados.
Mas, por outro lado, fico frustrado com a quase ausência de iniciativas do poder público que responda a essa produção. Com raras exceções como o IAP ou Espaço Cultural Casa das 11 Janelas, o que vemos são espaços culturais, municipais e estaduais, praticamente ociosos.
Qual sua percepção em relação ao olhar das pessoas de fora para com relação à Belém? Que impressões elas tem sobre a arte feita aqui, a política, a geografia e as pessoas?
Repetindo um comentário que fiz recentemente no blog Holofote Virtual, acho que há tempos nunca se falou tanto de artistas paraenses alcançando projeção na cena nacional ou mesmo internacional: Emmanuel Nassar, Luiz Braga, Miguel Chikaoka, Alberto Bittar, Mariano Klautau Filho, Marconi Moreira, Paula Sampaio, Dirceu Maués, dentre tantos outros. Nos eventos culturais pelo país que tenho a oportunidade de participar, ouço elogios inflamados ao exemplo de Belém como um importantíssimo centro de produção artística nacional.
Ouço também comentários sobre outros valores muito particulares de nosso estado, certamente graças a algumas iniciativas muito bem sucedidas de alguns paraenses de visão. Parece que Belém começa a descobrir seu perfil, seu potencial: seus cheiros e sabores; sua exótica e incomparável culinária; suas festas e manifestações de cultura popular; a exuberância de uma região que reúne a incrível diversidade da floresta amazônica com a beleza paradisíaca do litoral atlântico; seu ritmo com pitadas caribenhas – basta lembrar do enorme sucesso dos Mestres da Guitarrada em outros estados do país.
Falta o paraense perceber que uma cidade bonita é uma cidade limpa, que respeita o seu patrimônio histórico, que tem um trânsito minimamente respeitoso e civilizado. É muito comum ouvirmos também tristes comentários sobre essas mazelas de nosso estado.
Alexandre, você é visto “oficialmente” no círculo artístico como fotógrafo, enquanto algumas pessoas como nós (Bruno e Ricardo) o vemos como alguém que vai para além da fotografia. Como você lida com essas categorizações?
Para mim, é um pouco difícil falar sobre isso. É uma forma como algumas pessoas me vêem, algo que não parte de mim. Da minha parte, confesso que, às vezes me sinto um pouco desconfortável com essa classificação. Minha formação é sim maior em outras formas de expressão artística, e comparando minha trajetória no campo da fotografia com a de vários amigos fotógrafos, me sinto um iniciante.
Enfim, quando sou perguntado sobre minha ocupação, prefiro dizer que sou artista visual e professor, porque essa titulação não fui eu quem me deu. Fiz um concurso público e fui reconhecido como tal por uma banca de seleção. Bem, também vamos combinar... isso pouco importa não é?
Em Belo Horizonte há um cenário artístico alternativo se consolidando. A nova geração dessa cidade utiliza o espaço urbano como espaço rizomático de experimentação artística, a exemplo disso o Ystilingue, Casa vazia, etc, gerando um circuito independente da Academia e dos Salões de Arte. Gostaríamos de saber sua opinião: acha que temos possibilidade de gerar isso aqui em Belém? O que falta na sua opinião?
Por algumas questões que já tratei nas perguntas anteriores, acho que esse é um bom caminho para Belém. Talvez o que falte seja a classe artística traçar essas estratégias; dedicar-se à elaboração de projetos; correr atrás de linhas de financiamento. Participei de um projeto com um perfil semelhante ao “Casa Vazia” de BH, concebido por alunos do curso de Artes Visuais da UNAMA: a “Casa do Artista”. Não sei se ainda acontece, mas era muito legal.
Quando você não está ocupado ou pensando em algo que envolva arte, o que faz geralmente nessas horas?
Adoro meus livros, meus CDs, minha família, rir com meus amigos, banho em igarapés, uma rede numa varanda ventilada...
No momento você pensa em voltar para Belém ou tem planos de ficar por aí?
Minha volta a Belém é certa. Sou professor da UFPa, que me concedeu licença para fazer esse mestrado. Existem vários outros motivos. Gosto de viver em Belém; sinto uma enorme vontade de trocar com meus alunos essa experiência acumulada ao longo desses anos de atividade; amo minha família; meus cães, meus amigos...
Qual o conselho que você daria para quem está começando a trabalhar com artes visuais?
Nada diferente do que é indispensável a qualquer outra atividade: dedicação, empenho, busca permanente por informação, e, principalmente, paixão pelo que faz.
A Equipe Novasmedias!? agradece.
Ricardo Macêdo e Bruno Cantuária
Leia também as entrevistas com Carla Evanovitch, Luciana Magno e outros.
A Equipe Novasmedias!? agradece.
Ricardo Macêdo e Bruno Cantuária
Leia também as entrevistas com Carla Evanovitch, Luciana Magno e outros.
5 comentários:
Muito legal a entrevista!
O blog está de parabéns! Está se tornando um real espaço de divulgação para os artistas locais e não locais! :D
Muito bom, parabéns!
Agradecemos. Estamos realmente tentando.
Ricardo Macêdo
Parabens queridissimos, realmente este e um espaco maravilhoso e que depende do esforco e dedicacao de voces. Adorei a entrevista e deu pra matar um pouquinho a saudade do Alexandre, que e uma pessoa linda, tranquila e principalmente acessivel e generosa. Beijo a todos do Novas Medias.
Eliane Moura
Entrevista de extremo bom gosto,tb aproveitei pra ler as outras ! Parabéns a todos
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