sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

max martins: um caminhar opaco & lento pelo mundo


Que pior epitáfio para um poeta que o de ter seu espólio trancafiado num quarto obscuro? Um ano depois da morte de Max Martins, comprova-se: negligenciado em vida, não se leva sequer a morte do poeta a sério. Desavergonhadamente a venda do espólio de um escritor transforma-se em tribunal: quem dá mais? quanto vale?
Ou de outra: a quem cabe cuidar do acervo de uma vida intensamente produtiva? Os daqui, da cidade onde sempre viveu? Os de lá, onde sempre foi amado em silêncio e presumível indiferença? Havendo quem se interesse, não seria ainda assim um deboche, uma vez que a poesia é a forma mais inútil de expressão? Por vezes essas questões expõem ainda mais o epicentro de um terremoto de vaidades – nada mais, nada menos. Se nem mesmo o espólio de João Cabral de Melo Neto teve como corresponder a um lance de um jogador de xadrez. Foi vendido avidamente pela família em um único lance. Não é de hoje que poetas podem escrever grandes obras sem que aquilo que fazem continue a ter consequências.

Max Martins (assim como João Cabral) não teve como vender a alma ao diabo. Em Belém, sua poesia – ao lado de Mário Faustino –, sempre ocupou posição dominante. Isso sem ser a norma. Max sempre foi a diferença. Livre, nunca foi a previsão. Nunca a confirmação. O que nem de longe poderia abrir-lhe a oportunidade de colocar-se à venda. Um negócio que quase sempre não é bom para os poetas. A eles a alma sempre faz muita falta. À par de todos os que se anunciam e se vendem por aí. Os cadernos culturais fazendo a vez dos classificados. Contudo, a poesia de Max não é uma versão de moralidade. Segue apenas estratégias estéticas divergentes. O que o restringiu a não seguir as infalíveis estratégias de marketing mundanas. É preciso dizer que ainda assim teve um relacionamento com o poder institucional de forma muito modesta e discreta. O que de qualquer forma ajudou a criar um pequeno, porém intenso alvoroço em torno dele e de sua obra.

Era o início dos anos 1980, Max entrava na casa dos sessenta, quando o fim tomava o lugar do todo em sua vida. Ele publica dois de seus livros patrocinados pela Secretaria Municipal de Educação (SEMEC): “O Risco Subscrito” (1980) e “A fala entre parêntesis” (1982), renga com Age de Carvalho. Um ano depois, exatamente na noite de 15 de Dezembro de 1983, uma terça-feira, Max lança no hall do Teatro da Paz, seu sexto livro, a obra-prima “Caminho de Marahu”. Foi um acontecimento. Dizia-se naquela semana: “Todos lá. Todos lá”. E “todos” foram lá. A exemplo do lançamento de “A fala entre parêntesis”, de que há uma foto antológica, de um tempo quase impossível hoje. O tempo tem domínio. E Max não teve como participar dos avanços dos novos meios de comunicação eletrônicos que começaram a nortear, na década seguinte, as relações pela cidade e no mundo inteiro. Ele tinha um contato intenso com o ambiente do afeto, da intimidade, onde não se excluía escrever à mão além dos poemas, cartas, diários, e tinha os passeios, o café pontual das 19 horas em casa, cadeiras na calçada, e finalmente a rede. E, claro, a leitura e o cigarro.

Era essa a sua aposta amigável com a vida. E num momento de intensa exposição, não mais aquela do bate-papo e das rodas, mas a virtual, da imagem sistematizando a vida em todas as dimensões – Max sucumbe. O espaço literário tornara-se um programa interativo. O oposto do espaço público clássico - a cidade pequena, estreita, de rotineiras e familiares colisões. E boa parte da armação da poesia de Max se reveste desses traços. Há o lugar de permanência, o prolongamento das ações, da casa, da rua, do mercado. Tudo como está em “O Estranho” (1952). Mas também em “Colmando a lacuna” (2001), seu último livro. Claro, há as modulações desse permanente retorno aos principais temas e imagens, em que a interatividade com o leitor se estabelece, como um sistema aberto, quase que de comunicação, como se a poesia pudesse se reduzir apenas a isso.

Max sucumbe porque seu mundo sucumbe. É disso que se trata. Uma obra para fora das sistematizações habituais das instituições. Dos arquivos. Da compra e da posse. Que precisa voltar às ruas. Ser reeditada por uma editora de porte, com repercussão segura e resgate crítico ao invés apenas de paráfrases entusiasmadas, coisa que em Belém não tem como acontecer.

Antes de negociar o espólio com quem quer que seja, era o empreendimento que a família deveria fazer. Não é o suficiente, mas um bom começo. A poesia-de-Max-Martins em seu caminhar opaco & lento pelo mundo, mas que é o trabalho e a grande façanha do poeta. A singularidade e as irresoluções de uma obra, muito mais do que a assinatura de um cheque ou a cessão de uma franquia.


Ney Ferraz Paiva http://www.hospiciomoinhodosventos.blogspot.com/

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