quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Gentrificação, hipsters e consumo: dos bairros, paredes e grafites à imagem no Facebook, Istangram e Tumblr.

Após bom tempo sem publicar aqui, achei que seria uma boa escrever sobre três temas que estão na ordem do dia: imagem, hipsters e gentrificação[1]. O envolvimento entre os três temas é cheio de costuras, como vamos ver. Esse texto será dividido em duas partes.

Os hipsters e um olhar sobre a cidade.  

           Na década de 1980 o movimento Antifa[2], se apropriou das formas de vestimentas, da identidade visual de alguns grupos (black/red Skinheads, etc), de extrema direita na França, Jeunesse Nationalistes Revolutionnaires eram jovens ligados a política do contexto, que reivindicavam entre outras coisas, o poder branco e a luta contra imigrantes. Os Antifas eram os caras que rechaçavam Skinheads, chegando em alguns momentos, a assimilar a vestimenta (coturnos, tipos de calças, jaquetas, etc) de skinheads e até seu código visual (suástica), engolindo a imagética dos carecas. Isso é apenas um exemplo de  como a imagem encarna nos corpos em cada contexto histórico específico. 
                 Minha mãe um dia desses observou que os jovens estão se vestindo e se comportando como os jovens da década de 1960/70, “hipsters”[3], falei pra ela, engolem traços visuais de uma cultura que já foi, mas que agora retorna em outra pele. 






            Contudo, algo que eu ainda não havia parado para pensar é que há uma    economia    por trás dessa ação de assimilar a imagem do outro, no caso dos hipsters,    de assimilação do bairro (em Belo Horizonte temos o bairro de Sta Efigênia) ou do local    (em BH ainda, temos o edifício Maleta), essa ação está geralmente  associada a querer ir   aos mesmos   locais antes frequentados pelo underground (pois algumas pessoas   só aparecem nesses   locais depois que ele foi  higienizado,     artificializado). Sobre isso nos diz Sarah Kendzior “querem mudar uma memória que outros já construíram. Isto é a economia hipster”[4].  
         Essa prática também está diretamente ligada em termos sociais a ideia de gentrificação.  Lembro da história das sub-culturas do Greenwich Village[5] e das empresas e especuladores que com o tempo perceberam que poderiam investir ali (naquela área de Manhattan em Nova York), onde estava acontecendo um fluxo grande de pessoas de classe média e classe alta. 

Greenwich Village ontem. 
Greewich Village hoje. 
         Pessoas que na época eram chamadas de Yuppies (young urban profissional), começaram a rumar para o Village, buscando novas formas de viver a vida (de querer para si, outra imagem), junto a uma comunidade de artistas que já se encontravam ali alugando galpões, apartamentos e casas por preços irrisórios (já que aquela região do Village era bem desvalorizada na época), artistas e músicos como Andy Warhol, Miles Davis, Matta Clark, Yoko Ono, passaram um tempo lá. 

No dia 16 de maio de 2014, uma artista (Katharina Grosse), um serviço ferroviário e uma agência governamental gastaram 291.978 dólares para camuflar a pobreza aos olhos do público. “Psychylustro”, foi uma parede pintada no local que desejavam maquiar. Na visão dos envolvidos, era preciso deixar a área menos feia, pois se trata de um local periférico. [6]
          Fiz esse retrospecto para chegar em um ponto: hoje, áreas gentrificadas acompanham uma economia promovida por vezes, por demandas de pessoas que desejam obter/viver uma imagem de baixa renda, ou uma imagem de uma cultura do gueto que originalmente não é a sua, mas pode vir-a-ser dependendo da assimilação de uma imagem, de uma postura, etc. Exemplo disso é boa parte (não todos) dos fotógrafos, artistas visuais e grafiteiros atuais que, nascidos entre a classe média e a classe alta, hoje participam de uma cultura do simulacro, almejando vivenciar através de imagens (vestimenta e postura em fotos no Facebook, Instagram, Tumblr, etc) e local (bairros por onde transitam), uma cultura antes impossível de ser acessada, pois muito distante de suas realidades econômicas e sociais. 
         Não é o objetivo aqui menosprezar tal postura, mas no caso das especulações que vem assolando algumas cidades, é urgente observar criticamente que, o simples ato de vestimenta, ou a adesão a padrões de comportamento e visual, sempre escondem em suas bordas, os avanços e movimentos de especuladores do mercado, marketing, design, moda e ações de imobiliárias. Pois tais fomentadores são uma fatia de uma rede invisível que hoje se prontifica 24h por dia à pesquisa desse infra fino que são as tendências atuais. Evidenciado no retorno às décadas de 1960 e 1970, e no retorno ao uso de equipamento fotográfico antigo (Lomo, Polaroid, etc) [7]  e a utilização disso para a manutenção de uma nova classe de consumidores jovens (ou adultos que curtem um retrô). 
Hoje há salões de arte específicos para um tipo de artista visual jovem, sequioso por holofotes: salões indies bombam nas redes sociais (não vou citar nenhum para não vincular ninguém a esses espaços), geralmente acompanhados de um público cativo, aqueles mesmos que fomentam as curtidas no Facebook. Parecem servir para constituição de uma imagem no virtual, para a definição de uma identidade do artista e um status vinculado as comunidades em rede. 
              Esse perfil também pode ser construído e encomendado mediante o contato com as empresas de gerenciamento e consultoria (sites como Não Salvo, Mecenas Cultural, Full Time, Different – Consultoria e projetos, etc),  ajudam empreendedores, artistas iniciantes e artistas que ainda não compreendem a lógica dos editais a realizar seu projeto. Também podemos citar os personals image maker’s (http://imagemakerconsulting.com/, http://www.josephrosenfeld.com/making-the-most-of-your-personal-image/,http://www.practical-wellness-guide.com/physical/personal-image-and-appearance/, etc), que nada mais são do que profissionais que elaboram e constroem sua imagem a partir de demanda, sejam elas quais forem.  
              E no bojo central de tudo isso, muitas coisas morrem, a experiência é uma delas. A faculdade conviver com a diferença e as crises provenientes disso são todas anuladas quando se espera estar entre os seus num ambiente higienizado (como ocorrem nas gentrificações), longe do underground violento e sem regras, ou na busca por experiências via editais de cultura, onde a única exigência, talvez seja por fim, uma boa performance (resultado de um bom texto escrito).




        O problema maior é matar a experiência como nos diria o filósofo Gilles Lipovetsky, transformando-a em objeto mercantil e item de colecionador, já que o consumo hoje (talvez há duas décadas), não se resuma apenas a objetos, mas a venda de experiências que produzam adrenalina e impacto corporal: esportes radicais, grafite, cirurgia invasiva, escarificações, modificações corporais, ou em outro sentido, as novas modalidades de turismo, o chamado turismo perigoso ou as visitas à favelas no Rio de Janeiro....   [continua....]
          

 
1. Fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gentrifica%C3%A7%C3%A3o)

2.O termo antifa deriva de antifaschismus, antifascismo em alemão. Ele se refere a indivíduos e grupos dedicados a combater o fascismo. Veja esse documentário interessante sobre eles:

3.Hipster é um termo frequentemente usado para se referir a um grupo de pessoas pertencentes a um contexto social subcultural da classe média urbana. A cultura hipster faz parte da variedade de subculturas que coexiste com a cultura mainstream.

7.  Como ser um hipster no Instagram e aplicativos para hipsters: http://www.tudocelular.com/apple/noticias/n34984/android-ios-hipsters.html

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