sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

insignificâncias
crônicas de um velho adicto I

houve um susto quando os signos deixaram de ser ou significar; não, eles não desapareceram, estavam lá, em setas e outdoors, em portas de mictórios e sirenas, em paradas de ônibus e tubos de ensaio... não, nada foi comunicado, não houve pronunciamentos nem tampouco documentos, pois até documentos nada mais valiam; neste instante, ninguém mais entendia signos; esbarravam-se em portas de elevador, usurpavam os espaços dos especiais, perdiam-se no caminho de qualquer lugar, por que pra quê placas ou semáforos ou neons de velhos motéis de estrada? indicativos nulos de uma prestação de serviços urgente; subiam ao invés de, saíam ao invés de, perdoavam ao invés de e, de repente, tudo embranqueceu: não havia norte, cruzes, deuses, ritos, não havia sentido na descarga do vaso, na recarga do gênio, em notas musicais, nas libras surdas e financeiras...

            ocorreu uma total inércia; estar parado era mais seguro do que não entender ícones, nunca mais saber a quem recorrer, mapas, linhas imaginárias, hemisférios, geopolítica, caos... não saber do dinheiro o que comprar, posto já se haver sabido de gente a rasgá-lo, mas e rasgar cartas, poemas, dores, uma tal de nostalgia?

            sinto que, em mim, alguns lapsos me tomam; assisto ao embate de seres estrangeiros e espreito meu eu em estado de calamidade: carros indo de encontro a, medo de virar a chave em, plugar disjuntores ao, hastear  panos para, empunhar as mãos a fim de, enfim, um espetáculo desordenado do horror que é estar envolto numa espécie de bruma da estupidez, o claustro da falta total de conhecimento ou mesmo envolvimento com tudo a dizer nada; no entanto como prostrar-se néscio com certa dignidade se a aptidão perdera-se: ser o presente, reconhecer o passado? como é ficar lívido... oco... planalto obtuso...? e eu, de certa forma, sentia-me um pouco líquido, a tentar ajustar-me aos espaços em branco, aos ventos em prumo, ao concreto – sim, cimento, alvenaria – para sentir que meu corpo não estava disforme, eu estava assim por dentro, nítido e claro estado de angústia, pressão no peito e tudo o mais; haveria de ter algo, alguma espécie de manual, porém não mais se compreendiam códigos, então como decodificar se... emblemas, línguas, receptáculos, inocuidade em me comunicar com;

            creio que ninguém sofreu tanto ao longo deste hiato do que eu: todavia como sofrer por algo que se chama coisa, coisificada, coisanulada, coisabstrata...?

            levem-me, alguém, agora, para casa ou para esta coisa, lar de onde nunca deveria ter saído, talvez eu venha a compreender a  ideia da coisassimilada. 

por Rodrigo Barata
ilustração João Augusto Rodrigues


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