insignificâncias
crônicas de um velho adicto I
houve um susto quando os
signos deixaram de ser ou significar; não, eles não desapareceram, estavam lá,
em setas e outdoors, em portas de mictórios e sirenas, em paradas de ônibus e
tubos de ensaio... não, nada foi comunicado, não houve pronunciamentos nem
tampouco documentos, pois até documentos nada mais valiam; neste instante,
ninguém mais entendia signos; esbarravam-se em portas de elevador, usurpavam os
espaços dos especiais, perdiam-se no caminho de qualquer lugar, por que pra quê
placas ou semáforos ou neons de velhos motéis de estrada? indicativos nulos de
uma prestação de serviços urgente; subiam ao invés de, saíam ao invés de,
perdoavam ao invés de e, de repente, tudo embranqueceu: não havia norte,
cruzes, deuses, ritos, não havia sentido na descarga do vaso, na recarga do
gênio, em notas musicais, nas libras surdas e financeiras...
ocorreu
uma total inércia; estar parado era mais seguro do que não entender ícones,
nunca mais saber a quem recorrer, mapas, linhas imaginárias, hemisférios,
geopolítica, caos... não saber do dinheiro o que comprar, posto já se haver
sabido de gente a rasgá-lo, mas e rasgar cartas, poemas, dores, uma tal de
nostalgia?
sinto
que, em mim, alguns lapsos me tomam; assisto ao embate de seres estrangeiros e
espreito meu eu em estado de calamidade: carros indo de encontro a, medo de
virar a chave em, plugar disjuntores ao, hastear panos para, empunhar as mãos a fim de, enfim,
um espetáculo desordenado do horror que é estar envolto numa espécie de bruma
da estupidez, o claustro da falta total de conhecimento ou mesmo envolvimento
com tudo a dizer nada; no entanto como prostrar-se néscio com certa dignidade
se a aptidão perdera-se: ser o presente, reconhecer o passado? como é ficar
lívido... oco... planalto obtuso...? e eu, de certa forma, sentia-me um pouco
líquido, a tentar ajustar-me aos espaços em branco, aos ventos em prumo, ao
concreto – sim, cimento, alvenaria – para sentir que meu corpo não estava
disforme, eu estava assim por dentro, nítido e claro estado de angústia,
pressão no peito e tudo o mais; haveria de ter algo, alguma espécie de manual,
porém não mais se compreendiam códigos, então como decodificar se... emblemas,
línguas, receptáculos, inocuidade em me comunicar com;
creio
que ninguém sofreu tanto ao longo deste hiato do que eu: todavia como sofrer
por algo que se chama coisa, coisificada, coisanulada, coisabstrata...?
levem-me,
alguém, agora, para casa ou para esta coisa, lar de onde nunca deveria ter
saído, talvez eu venha a compreender a ideia da coisassimilada.
por Rodrigo Barata
ilustração João Augusto Rodrigues
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