segunda-feira, 1 de abril de 2013

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Era uma vez um artista que desistiu de ser artista. Ele percebeu que a experiência estava doente, moribunda e dando seus últimos suspiros. Olhou para a televisão e percebeu que seus 60 canais abertos estavam lhe tirando o sono e talvez viessem a tirar o sono de seus filhos também. Isso era demais pra ele.
Ele decidiu então que iria embora, iria para um lugar onde os ritos pudessem lhe servir para algo, ele pensou assim: quero que meus filhos façam quinze anos em casa e não no Second Life ! Antes de sair, olhou um livro na estante da sala e leu “é preciso ritos” folheou mais as páginas e prestou atenção em um trecho: “Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade ! Mas se tu vens por exemplo a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...É preciso ritos.”



Bateu a porta e saiu. Chovia lá fora e seu pensamento voou longe junto com o vento da chuva. Onde estão os ritos hoje em dia e a experiência que lhes acompanhava? Sentou em baixo de uma marquise e olhou para o outro lado da rua, viu duas crianças em um pátio de uma casa brincando, uma delas com um carrinho e outra com uma boneca e uma casinha. A menina brincava de ser mamãe e o garoto imitava o pai dirigindo o carro com certeza, pensou.
A criança brinca [playing] com sua boneca e sua casinha de boneca e com isso representa - no sentido ritual - o que os adultos fazem, a criança brinca com seu carro de plástico e com isso representa o que o pai faz. Eles se identificam com o evento, não tanto mostrado figurativamente, mas de fato reproduzido na ação. Preparações para um mundo adulto. Mas e quando isso se perde? E quando a criança cresce e a experiência dá lugar ao contato com a realidade virtualizada, dos games de última geração, por exemplo, que ofertam uma vida não vivida? Uma morte da experiência !


Lembrou de um filme que viu, onde um soldado voltava do campo de batalha com um olhar aterrador e distante, talvez firmando no horizonte a cena que lhe deu passagem para a guerra: fogos, bandeiras e pessoas comemorando sua ida: ele é um herói – diziam - e vai para a guerra! Mas, o soldado quando retornou, voltou emudecido, não mais rico, porém mais pobre de experiências partilháveis do que antes. Qual o valor de todo nosso patrimônio cultural se a experiência não mais o vincula a nós? A experiência estava, talvez, apenas dormindo no coração do soldado, e ele precisava acordá-la. Mas, como?
Como artista, imaginou que talvez o mundo pudesse ser um playground se todas as coisas e situações pudessem rever sua parcela de ritual, de jogo-brincadeira, talvez houvesse uma alternativa. Sim, ainda havia jeito. Mas para isso, era necessário deixar de crer na arte de então. Seria necessário abandonar sua fé e cair na vida, lá onde a arte não está, lá onde o soldado falhou ! Lá onde a criança espalhou seus carrinhos e suas bonecas. Seria necessário uma arte tal como a vida.  A multidão está solitária, mesmo que os Impérios poderosos estejam a ruir.



O homem ao ver a chuva passar, voltou para casa e semanas depois abriu um restaurante chamado Food. Seus cozinheiros eram outros artistas que também,  haviam desistido do ofício de artistas. Seus caixas eram artistas da estética dialógica, seu balconista era um antigo artista da arte social, seu garçom era um neo realista e o contador era um antigo curador. Todos haviam desistido da arte como a conhecemos, preferiram a vida e algo não nomeado partilhado com o outro.  

. AGAMBEN, Giogio. Infância e história. Destruição da experiência e origem da história. Tradução Henrique Burigo. Belo Horizonte, editora UFMG, 2011.

. KEHL, Maria Rita. O tempo cão: a atualidade das depressões. - São Paulo: Boitempo, 2009.

. KAPROW, Alan. Essays on the blurring of art and life. Edited Jeff Kalley. Exapanded edition 2003

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