sexta-feira, 21 de maio de 2010

SOBRE O ESPAÇO INFORMADO

Andando pelo meu bairro percebi um grande terreno baldio e parei em frente a ele para olhá-lo de perto, pensei que aquilo ali poderia virar qualquer coisa: um prédio, um banco, um super mercado e a ele seriam dados outros sentidos, outros nomes, que não somente o de um simples e grande terreno vazio.

Pois, se vivemos dentro de uma cultura e estamos todos preenchidos e informados por ela, pensei, não somente objetos, coisas, seres e pessoas estão informados, mas, espaços geográficos. Refleti um pouco mais sobre isso em casa e cheguei a uma questão: o espaço é informado pelo homem e após isso ele ganha um sentido a mais, antes disso ele é somente um espaço valorizado ou desvalorizado, não pelo que ele é, mas, pela sua localização e validação capitalista.

Não é o espaço que é valorizado, mas, o que as pessoas fazem ou vão fazer desse espaço! Ele pode até ser o mesmo espaço, mas, o que as pessoas fazem ali, muda seu aspecto a cada momento do dia. O homem então informa o espaço, lhe dando assim, vários sentidos. De manhã no comércio o camelô ocupa a calçada, ela é um ponto de venda, no final da tarde o gari limpa a calçada e aquilo lá é um local de limpeza, mas à noite os mendigos dormem na mesma calçada com pouca luz, ali é seu dormitório. O mesmo espaço aqui se torna um campo para três eventos diferentes.

O espaço neste caso é o mesmo sempre, o que se constrói ali é que vai lhe dar um sentido: uma casa de família, por exemplo, vai informar o espaço de valores afetivos, sociais, interpessoais, etc. Diferentemente de um banco, caso o espaço seja ocupado por um prédio bancário, ali, as relações serão outras, serão monetárias, econômicas e exatas. Diferente também se o espaço é ocupado – ou informado – por um shopping center, as relações passam a girar em torno de consumo, propaganda, marketing, enfim, cada espaço é informado pela ação do homem, desencadeando com isso um sentido. Uma direção para aquele espaço de acordo com o que foi construído lá, para aqueles que olham de fora e passam em suas calçadas ou para aqueles que trabalham ou moram lá.

E o espaço vazio? O espaço vazio na cidade é um espaço ausente destes sentidos, ele não foi informado, torna-se então um enclave, um território clandestino, pois longe da lógica do preenchimento, para o capital, estes espaços são infrutíferos e mal vistos.
 
Tirei uma foto de um deles antes do Club do Pelé se estabelecer por lá. Mas, com isto vêm outras questões: o que está por trás desta necessidade de preencher espaços com lucro e dividendos? Porque todo espaço tem de estar dentro de uma função específica? Porque sempre temos de lhe dar um sentido ligado a uma função que geralmente é uma função que intermedia o giro de capital financeiro?


Novamente me parece que a questão não é o espaço, mas, desta vez é: quem ocupa esse espaço e qual sua intenção. Chegamos então no homem e em suas necessidades. Logo, se o espaço vazio é informado pelo homem e essa informação é fruto de sua cultura e sua cultura tem haver com suas intenções. O espaço tende a ser o retrato da cultura hegemônica, ou o culto ao capital. Terrenos baldios por onde não fluem finanças são mal vistos pela cultura que instiga o homem a ocupá-los com coisas úteis. Resta ao homem então se perguntar se a ocupação de todos os terrenos que restam na terra irá aplacar sua vontade de preencher e dar sentido, pois um dia não haverá mais espaços no planeta. Fica aí essa reflexão.

Mas, voltando. Se a função que dou ao espaço o preenche por dentro, então, se eu resolver não dar nenhuma função a ele? E com isso nenhum sentido imediato? O que me resta então é o espaço propriamente, um local amplo e sem nenhuma função, delícia. Tirei outra foto de um desses espaços em Belém, com uma árvore bonita na frente, acho que precisamos de mais espaços assim.
 
Em Belo Horizonte tem uma turma que executa um projeto interessante, o nome da estória é “Casa vazia”, veja bem, um vazio. Eles chegam ao local sem função e dão a ele uma função desligada do sentido que geralmente o capital financeiro oferece, eles não apenas criticam o capitalismo e o sistema da arte – como muitos fazem em Belém – mas, eles propõem algo, eles fazem algo (como poucos fazem em Belém), quando se apropriam do espaço e o transformam em uma espécie de Squatting, muito comum na década de oitenta, ou em um “Ponto de Fuga” que existiu em Belém no inicio da década de noventa, para quem lembra. O local então, desligado dos sentidos capitalistas recebe sentidos e referenciais artísticos, legal pra brincar, pular, correr, quebrar, conversar, dá pra fazer tudo lá dentro, veja bem, ele não tem uma função diretiva, não existem diretrizes prévias, então dá pra fazer muita coisa na Casa.... ou se me permitem: no espaço vazio, uma TAZ a céu aberto diriam alguns. Então acho que deveríamos olhar com outros olhos para os terrenos baldios (há algum tempo atrás, os enviroments tornaram a arte algo baldio, e foi muito legal), ali poderiam estar crianças artistas brincando de fazer arte. E como colecionador de vazios que sou, peço a todos que observem os terrenos baldios e deixem sua imaginação voar por lá, e se souberem sua localização, que me mandem fotos e o endereço para o blog “Novas Médias!?” Quem sabe não articulamos alguma festinha do vazio?

Ricardo Macêdo é artista visual e professor de artes formado pela Universidade Federal do Pará.

2 comentários:

[conjunto vazio] disse...

Para falar a verdade, o Kaza Vazia é sim muito interessante quando se propoe a utilizar espaços "sub-utilizados", mas há um porém, eles não invadem locais, eles são convidados e passam a usar o local de atelie. Até aí tudo bem, não estamos cobrando que ocorram invasões, mas o potencial mais emancipatorio dessas práticas que seria o convivio comunitário, a real utilização de um espaço vira simplesmente uma galeria itinerante.
Alias, é exatamente assim que eles se autodenominam "Kaza Vazia: galeria de arte itinerante"(www.kazavazia.blogspot.com)... então caímos nessa contradiçã eles não criticam o capitalismo e muito menos o sistema da arte só tentam alternativas pra criarem novas formas de expor e vender os trabalhos.
Novamente, não há nada de errado nisso, são artistas e é isso que querem mas o Kaza Vazia não consegue dar um passo a frente nas suas práticas para além do artisto.
Alias uma possivel saída e serei justo, foi o Kaza X na ocupação Dandara e eles se proproram a criar um centro cultural e efetivamente colocaram a mão na massa: http://kazavaziax.blogspot.com/

[conjunto vazio] disse...

Prática interessantissima em BH também são os Lotes Vagos (não é dificil conseguir o documentário), projeto da Louise Ganz e da Ines Linke.
http://lotevago.blogspot.com/