domingo, 3 de maio de 2009

A PERFORMANCE E AQUELES QUE FAZEM SEU REGISTRO.


Hoje os registros de ação ou de performance no cenário urbano ou no cenário fechado das galerias, subentendem pessoas intervindo ou interferindo em um determinado espaço e agregando ou retirando elementos desse cenário. De alguma forma conectando o homem ao espaço utilizado. Mas, além do público e do artista, um outro personagem hoje se insinua, mesclando-se de forma incisiva a esse cenário físico e subjetivo: aqueles que registram o momento com suas câmeras digitais ou analógicas.

Sim, hoje aquele que efetiva os registros das situações performáticas aparece quase como parte da obra, em alguns casos sua presença acaba sendo revelada pelas imagens captadas por outras máquinas. Essas imagens, que comumente são do artista performer e do espaço utilizado, misturam-se com a presença desse novo voyeur contemporâneo. Cabe aqui uma questão: A presença física daquele que efetiva os registros na cena corrompe o trabalho ou implica um outro nível de apreensão do processo? Sua presença na imagem junto ao performer no espaço de execução do trabalho, rompe com alguns sentidos ou níveis de sustentação da antiga relação público/obra. Pois agora temos: público, obra, meios de registro e pessoas que registram. Sendo que esses meios e essas pessoas que registram, estão se infiltrando no fazer do artista, e acostumando o olhar do público as suas presenças.

Uma analogia bem próxima ao que eu disse acima, pode ser visualizada no antigo teatro de sombras japonês, você vê que há pessoas vestidas de preto manipulando os bonecos, mas, sua presença ali é suporte para que a coisa aconteça. Pois bem, a coisa acontece no ato performático não somente a partir do artista, sabemos que ela irá também acontecer depois, espécie de documento secundário (MELIN, 2008), que irá ser efetivado no espaço virtual ou em outro local. Logo, o manipulador das sombras nada mais é do que aquele que se insere no cenário onde se dá a ação, acabando por fazer parte do processo, pois ele acaba aparecendo na cena.

As pessoas que efetivam o registro estão na cena desta forma e são também um olho que procura o olhar do performer durante o processo, mas, diferente do olhar do público, seu olhar é treinado e é um olhar à mercê dos movimentos do performer e sem a linearidade do olhar do público, acompanham a cena em fragmentos, olhando através de um quadrado.

Outro fator a ser levado em conta é o fetiche de ser observado e registrado. O performer deseja que sua ação tenha continuação muitas vezes em outros meios, deseja muitas vezes ser acompanhado de perto pela máquina digital, pela filmadora portátil em uma relação de quase cumplicidade: “aquele é o olhar que me olha e que me deseja em outros planos, no jornal, na revista, na internet” ou “aquele é o olhar que me espelha, lá posso me ver melhor depois que tudo acabar e os outros também vão poder me ver de novo”. Então, a presença desse terceiro instiga um jogo de trocas, onde desejos entre o registrado (performer) e aquele que registra são colocados na mesa, os dados rolam. Um jogo onde a promessa é cumprida no final das contas: “te dou o registro que fiz de ti se me permitires, mais do que te fotografar, fazer fisicamente parte de tua obra, quero estar dentro daquilo que eu estou à registrar” sendo esse um preço pequeno a ser pago, se formos pensar o destino das imagens após a performance, mas, essa já é uma outra estória.

Ricardo Macêdo é formado em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pará. É artista visual e professor de artes visuais.


BIBLIOGRAFIA

MELIN, Regina. Performance nas artes visuais. / Regina Melin. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

NOVAES, Adauto. O olhar / Adauto Novaes (organizador). – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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