domingo, 15 de fevereiro de 2015

Oscar 2015 - Parte Final



Final dos drops para o Oscar 2015. Depois de toda esta jornada com os indicados ao prêmio da indústria americana cinematográfica, não podemos dizer que a jornada não valeu a pena. Encontrei imagens novas, imagens velhas, imagens recicladas criativamente, discursos importantes (e muitos outros irregulares), grandes atuações, trilhas sonoras surpreendentes e direções sofisticadas para que possamos perceber o que há de conquista e de retrocesso no evento mais mass-midiatizado da atualidade.



14 – Ida, de Pawel Pawlikowski: o maior concorrente do russo Leviatã é esta pequena/ grande obra prima polonesa sobre os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Oportuna para marcar e evidenciar os males desta catástrofe Ocidental a partir de um drama familiar, sua chegada também contribui como marcador cinematográfico  para os 70 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz, agora em 2015.
Anna (Agata Tzrebuchowska), às vésperas de se consagrar freira, em pleno ano de 1962, tem de visitar sua tia Wanda (Agata Kulesza), antes de aceitar seus votos sagrados. Descobre, nesta ocasião, sua linhagem judia e parte com Wanda em uma dolorosa jornada para desvendar a tragédia pela qual sua família passou na Polônia.


Com um roteiro denso e sombrio, a obra é intimista, amparada pelas grandes interpretações das atrizes principais e por uma fotografia excelente. Cada take é milimetricamente pensado em preto & branco e lembra o trabalho dos fotógrafos suecos Sven Nykvist e Gunnar Fischer, grandes parceiros de Ingmar Bergman. Quem se interessa por temas ligados à memória, Holocausto e diáspora judia, tem neste filme um grande discurso político e artístico.


15 – Mr. Turner, de Mike Leigh: a nova obra do inglês (dos títulos já conhecidos Simplesmente FelizO Segredo de Vera Drake etc.) foi uma das maiores injustiças em termos de esquecimentos (recebeu somente indicações técnicas, como fotografia, direção de arte, figurino e trilha sonora). Com esta cinebiografia do pintor inglês, consagrado romântico, William Turner, Leigh nos entrega um clássico instantâneo e nada acadêmico, algo difícil quando se trata de cinebios.
Timothy Spall, ganhador do Prêmio de Melhor Ator em Cannes 2014 por esta performance, está excelente. Pergunto: quem viu algo relevante no Bradley Cooper para tirar Spall da corrida? Afinal, os distintos momentos da carreira do pintor são destrinchados com inteligência e corporalidade: temos aqui os dilemas de Turner com sua primeira esposa (interpretada pela atriz Ruth Sheen), sua relação com o pai (Paul Jesson, também inspirado), a mudança paulatina na sua forma de pintar e de pensar, as experiências de imersão nos temas de suas telas, a paixão pela transcendência como algo passível de ser captado pelo pincel, os conflitos de egos e o mise-en-scène nos Salões da Academia londrina. Rola até uma relação de opressão silenciosa sobre sua criada Hannah Danby (Dorothy Atkinson) e seus dias com uma iluminada Marion Bailey (a qual vive Sophia Booth, sua última esposa).
A fotografia, magistralmente criada por Dick Pope, é pintura filmada. Ganhadora da mesma categoria em Cannes 2014, além de inúmeras outras premiações, se consagra como um elemento chave para entender a beleza e a atemporalidade da obra do pintor.


16 – O Abutre, de Dan Gilroy: outra injustiça no prêmio da academia, desta vez com a estréia na direção de Gilroy, roteirista do conhecido Gigantes de Aço, dirigido por Shawn Levy, e do cult Dublê de Anjo, dirigido por Tarsem Singh.
Pode até ser que muitos não tiveram peito para lidar com uma obra tão sombria e crítica sobre nossos dias (ela, pelo menos, ganhou uma indicação em Melhor Roteiro Original), mas, não deixa de ser relevante evidenciarmos como ilustra um discurso que está posto pela mídia sensacionalista: o filme abre espaço para se problematizar espetáculos caça níqueis, apoiados em especulações em torno da violência, da sexualidade e do consumo.
Jake Gyllenhaal vive Louis, um memorável vilão para o cinema. Seu personagem, articulado em discursos de auto-ajuda e de superação, é um retrato assustador das falas zumbis de vários sobre perseverança e motivação retóricas. Focado em uma “carreira” de sair pelas ruas da cidade com uma câmera na mão, Louis, acompanhado por um rádio com a frequência da polícia, busca e grava imagens de acidentes e crimes para vender, depois, para os noticiários locais.
Acredito que O Urubu traz um discurso crítico para repensarmos o consumo na televisão, tanto aberta quanto fechada.


17 – Garota exemplar, de David Fincher: pelo visto, este último post ficou com as injustiças do ano. Garota Exemplar já tinha passado nos cinemas, então muitos puderam conferi-lo. Uma pena que a nova obra do diretor americano, um surpreendente suspense, também ficasse legada ao grupo dos esnobados pelo Oscar 2015.
Rosamund Pike (Anne Dunne), indicada ao prêmio de Melhor Atriz, está incrível. Ela vive a esposa de Nick Dunne (Ben Affleck), desaparecida logo no início da história, com uma delicadeza de camadas assombrosas. O circo criado em torno da personagem de Affleck, com sua condenação sumária pela imprensa, mesmo sem provas, é interessante para se problematizar o poder da mídia, a manipulação de discursos e a capitalização da tragédia alheia.
Este filme traz na trilha sonora, pela terceira vez, o trabalho de Trent Reznor com Atticus Ross (os mesmos ganharam o Oscar por esta categoria com A Rede Social). Repertório  criativo e para o ano que passou.



18 – Selma, de Ava DuVernay: também concorrente para a categoria de Melhor Filme, este longa, amplamente comentado e discutido por apresentar incoerências históricas, todas em função da escolha narrativa do roteiro, traz direção segura de DuVernay, cuja maior produção foi voltada para a televisão (este é seu terceiro longa, portanto, para o cinema). Além destas informações, podemos dizer que é uma obra sensível, feita com atenção política.
Quanto às incoerências históricas: bem, esta é uma ficção, pautada em recriação. Sua intenção não é a de ser um roteiro todo cheio de minúcias para com a complexidade do passado. E mais, não desvalido esta decisão de direção e roteiro, ainda mais quando vejo que a mesma é feita em prol de um manifesto social maior.
Precisamos deste formato de discurso para pensar que as sociedade ainda são, diariamente, minadas por preconceitos. Política é algo que se exerce no cotidiano e não a título do que seria interessante para a indústria. A história de Selma se concentra no período em que Martin Luther King ganhou o Prêmio Nobel da Paz, com sua atuação política para obter o direito de votos para as populações negras (fato este negado até uma história recente). Como paralelo de fundo, temos os conflitos e as ações empreendidas por King e por uma crescente comunidade de ativistas para a famosa marcha a qual saiu de Selma, no Alabama, em 1965.
As atuações são muito fortes, com destaque para a criação de Tom Wilkinson (Presidente Lyndon B. Johnson); a apaixonada de David Oyelowo (Mr. King); e a participação especial e sempre muito digna e política de Oprah Winfrey (Anne Lee Cooper). A direção de arte do filme tem seus grandes momentos e a linda Canção TemaGlory, de John Legend, Common e Lonnie Lynn, indicada nesta categoria, merece atenção.

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Algumas lacunas: Vício Inerente, de Paul Thomas Anderson; Relatos Selvagens, de Damián Szifron; Tangerines, de Zaza Urushadze; e Timbuktu, de Abderrahmane Sissako. Não sei quando irão chegar aos cinemas ainda.
Também não comentei Interestelar, de Christopher Nolan, pois, ainda que tenha sido muito legal, tem diálogos fracos (e o tal do final família feliz, o amor é o que supera, com pacote de explicações fechadinho, ligado às ordens do mercado). Fiquei satisfeito com suas indicações técnicas, mesmo sabendo que o excelente trabalho de Matthew McCounaghey poderia ter ganhado mais destaque.

John

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