quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Dinâmica de bruto - blog


O que aconteceu com você nas últimas semanas?
Andei com a cabeça zuada por causa desse gigante. O pessoal do cara-a-cara me cobrou uma opinião sobre tudo, inclusive de forma hostil. Metade dos membros do jogo é militante e, como você sabe, a militância tem uma ingerência intrinsecamente psicótica.
Não entendi o palavrório. Você pode ser mais claro? 
Esse foi o momento histórico do Brasil onde todos cobraram uma posição política severa diante dos eventos. Sou o único cara do tabuleiro que usa um chapéu de autoridade e estou pagando por isso. Mas veja bem, eu mal consigo ser militante de mim mesmo, da minha ‘persona’, da minha subjetividade. Raramente compareço nas reuniões de mim mesmo, acho bem chatas, na verdade. Te confesso que o meu Ivo Holanda interior deu um golpe de estado.
As pessoas estão se levando muito a sério?
A última moda em Paris é o dedo na cara: dizer que toda militância é fanática, toda ironia é cínica e toda ponderação é covardia. Será? O ser humano antes de tudo é um centro de indeterminação. Essa zona de indeterminação fica ali, virgenzinha, esperando ser aliciada. Quem alicia são as imagens, sempre as imagens, manipuladas pela linguagem mais agressiva de coerção da vida: a audiovisual. Afinal, era uma guerra de ideias ou uma guerra de imagens? O homem reduzido à imaginação pensa com o senso comum. Seremos sempre passivos enquanto formos modificados somente pelas paixões suscitadas nas imagens. Não se pensa através das paixões.
Existe um jeito certo de pensar?
Afastado das representações, dos modelos e dos esquemas. Enquanto o homem não sair da tutela, estará sempre servindo a algum tipo de representação. Se há algo em comum entre nós é o atolamento afetivo oriundo dessa rede de contaminação, oficializada pelos órgãos de tutela. Há disponíveis no mercado alguns planos de conduta feitos sob medida para o cidadão, que começa a chiar quando suas demandas não são atendidas. Amiúde são demandas falsificadas por serem representações, não há nada ali que foi fabricado em sua mente e ativada pelo seu corpo. Quanto mais atolado em representações, mais o homem deseja reformas. Reformas tautológicas que fecham o ciclo vicioso de ressentimento. Seria muito mais interessante criar meios ao invés de reivindicar direitos.
Entendo. Seria a hora de uma tomada de consciência.
A consciência, por ser o Piscinão de Ramos da imaginação, é a maior traidora do pensamento, não passa de uma máquina de subtrair. O que a consciência faz é um recorte no fluxo da realidade, da forma mais violenta possível, para satisfazer necessidades de ordem prática, finalistas. Reducionista por natureza, captura apenas alguns efeitos dos encontros – imaginando sempre que os efeitos produzidos eram intencionais – e ainda sim fica alardeando seus prodígios: essa é a consciência. Pode isso, Arnaldo?
Eu ainda não consigo entender como se pensa sem representações e modelos. Isso me parece uma liberdade irresponsável com um revestimento intelectual fraudado.
Não consegue porque você é burro, cara. Que loucura…eu não consigo gravar isso aí que você fala porque você fala de uma maneira burra. Enquanto você não emancipar o pensamento da ideia de representação, será um eterno ressentido. Nossa vida social é carregada de ressentimento justamente porque não há uma canal aberto de experimentação real com os objetos do mundo. Estamos engessados em esquemas universais de comportamentos medíocres, entrando numa era nebulosa de biopoder. Você acha que essas manifestações não são reações completamente previsíveis e contornáveis? Os dispositivos de poder se encarregam de modular os movimentos sepulcrais da vida, incluindo os defeitos de fábrica. Só haverá pensamento quando a gente QUEBRAR nosso aparelho sensório-motor. A gente tem que ser vândalo é com a nossa ilusão de civilidade, consciência e subjetividade. Todas essas ficções são formas de congelamento do devir. A galera tem que tirar o devir do freezer.
‘Devir’ faz parte de uma nomenclatura filosófica. Você não acha que a filosofia está completamente descompassada de um mundo tão comprometido com o viés economicista de todas as atividades do homem?
Pois é, o problema taí. Temos a emergência da intencionalidade encruada. O intencional venceu o intensivo. O filósofo que eu mais admiro parte do princípio que a causa da natureza/deus existir é simplesmente se efetuar, se potencializar infinitamente. É uma premissa de sustentabilidade altamente arrojada e entendo quando olham com alguma desconfiança, afinal, o homem vive entoxicado por valores transcendentes, leis. A lei, seja estatal, moral ou divina, é uma ficção. Somos escravos da ilusão de um Bem e de uma linha de melhoramento existencial que invariavelmente desemboca em frustração. Mas esse filósofo que admiro parte da ideia de que não há uma instância legitimadora do pensamento, assim como também não há uma dívida com a natureza, nem com Deus. Não somos uma falta, uma carência. Somos um conteúdo sem lei prévia, todos fazemos parte de uma potência infinita. A vontade de potência é uma potência que se deseja potência, uma força geradora de si investindo em sua continuidade. Isso conduz à uma lógica de fabricação de si mesmo, uma autonomia do pensamento incompatível com a atmosfera autoritária que respiramos com docilidade quase canina. Mas fazer o quê? Tudo indica que o homem adora flutuar entre o castigo e a recompensa.
Isso é Spinoza??
Não, na verdade isso é do Zé Lelé, um filósofo brasileiro do séc XVIII completamente desconhecido do grande público. Ele escreveu um livro muito interessante chamadoArcadismo de Bolso. É melhor que a Ética do Spinoza porque é uma “filosofia moleque”.
Então Zé Lelé desqualificou o plano transcendente de valores, como Spinoza?
Com certeza. Zé Lelé dissecou o mise-en-scène clássico das sociedades rebaixadas, basicamente uma composição entre tiranos, escravos e padres. O escravo, sempre tomado pelas paixões e dependente do tirano para preservar seu estado de conservação impotente. O tirano, dono do poder, só triunfa se alimentando dessas paixões tristes. E o padre fica ali, lamentando os tiranos e os escravos. É um acordo tácito onde todos se merecem. Hoje, século XXI, temos a mesma tríade, com os civis, os oligarcas e os cientistas políticos de várzea.
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Tudo é um grande teatro, todos são cúmplices. Há algum escoamento interessante para descarregar as frustrações?
Por que você acha que o consumo de drogas aumenta exponencialmente? O Brasil é atualmente o maior consumidor de cocaína do planeta.  Mas essa é a droga oficialmente demoníaca, né? E o açuçar? O brasil só não inicia uma guerra civil porque tá todo mundo entupido de açucar no corpo. Repara isso, cara. A cada 50 metros, em qualquer cidade, tem uma loja de açucar. Uma loja de bola de gordura. Lojas que vendem comida ruim, doces, balas, refrigerante. Nunca ouviu uma pessoa confessando que come um bombom no final do dia pra ter uma alegria? Com pequenos venenos você controla uma nação. Aumenta o preço do trakinas de morango pra você ver o que acontece.
E ainda tem gente moralista com drogas..
Pois é, que piada. Isso é totalmente compreensível adotando o ponto de vista do poder. As drogas mexem com uma região intensiva do homem, que é criminalizada justamente por ser imprevisível, não controlável. Os caras tem medo de tudo que escape ao controle deles. E tem gente achando que é uma questão “humanista”. Ora, nosso sistema penal já deu todas as provas de sua conveniência com a dissimulação, tratando a norma como um ente abstrato dissociado da realidade e poupando os operadores jurídicos do mórbido sistema penal subterrâneo. A pergunta é: qual o bem jurídico que estamos ferindo usando drogas? A saúde pública? Beleza, vamos investigar esse monumento. A saúde pública é o somatório do funcionamento das instituições e dos corpos. Não há nada mais ofensivo à saúde pública que o combate às drogas! Graças ao nobre empreendimento, fica a impressão geral de que os pobres cometem mais crimes, quando na verdade eles apenas tem mais potencialidade para serem identificados como criminosos por uma polícia ignóbil e brutalizada. Tá tudo fôdido.
Não dá pra confiar nas leis?
HAHAHAHA. Matamos Deus, mas jamais daríamos conta de tanta liberdade, certo? Então vamos nos ajoelhar diante das leis! Note o percurso lúgubre dessa justaposição entre direito privado e direito público regendo, respectivamente, as relações entre particulares e a ação do poder público: do lado dos transcendentalistas (Rousseau,Kant e Hegel) forjou-se a ideia de poder invocar um sujeito coletivo transcendental, depositário da lei, a quem todos deviam prestar fidelidade de modo a impedir que qualquer um fosse submetido ao outro. A lei estava acima dos interesses privados de cada um.
Na concepção empírica do direito anglo-saxão, teorizada por Locke, o poder público só está ali para garantir a iniciativa privada e o livre jogo dos interesses particulares. Esse direito apresenta dois lados: a propriedade de si e a propriedade de bens (não se pode espoliar e degradar um cidadão em sua existência e em seus bens) isso tudo visa um estímulo ao acesso ao mercado e à livre concorrência. Essa enfoque na jurisprudência em detrimento da lei torna o liberalismo uma mentalidade que suscita a delinquencia.
Como assim? Isso me parece absurdo
A honestidade não é expressamente requerida, já que só a posteriori é verificado o livre acesso à concorrência e o caráter lícito da troca. Fica muito complicado prestar nossa deferência a esse monolito, que se inclina tão facilmente aos procedimentos e arranjos de quem tem bala na agulha. Percebe? A justiça se tornou um rentável business, onde as vítimas oportunas da class action se divertem como se estivessem num grande bingo de transatlântico.
Um transatlântico com show do Roberto Carlos, provavelmente
Exatamente. Lá nos EUA já chamam isso de jackpot justice. Eu vejo uma instrumentalização da justiça meio cafona nos últimos tempos. A própria esquerda em algumas partes do mundo tem feito uma gambiarra terrível nesse sentido. Trata-se de uma diferença pouco verificada pela adesão frouxa dos declaradamente esquerdistas, e diz respeito à diferença entre justiça comutativa e justiça distributiva. Enquanto a justiça comutativa supõe uma igualdade entre as pessoas processadas, a justiça distributiva preconiza uma distribuição conforme o peso social dos indivíduos: dar menos a quem tem mais e dar mais a quem tem menos. Comete desigualdades para restaurar a igualdade, o que pode ser chamado de equidade. Mas essa desigualdade produzida raramente resvala na plutocracia, geralmente sobra pra classe média mesmo. Quem se importa? Os efeitos indesejados também são tragados pelo pensamento dialético.
Então você é da direita? Você é um monstro direitista?
Você é burro, cara? Que loucura…eu não consigo gravar isso aí que você fala porque você fala de uma maneira burra. Acho a direita abjeta, mas mesmo eu, que fui curtido na manjedoura da esquerda, tenho que fazer um exame de consciência e compreender a perfídia do pensamento dialético. Os caras tiram proveito do sim e do não, sempre. O negócio é de uma flexibilidade monstruosa, porra. Suponhamos que eu implemente uma política de diminuição da violência. Se a violência diminuir eu me gabo de ser o responsável pela pacificação do país, é claro. Mas se o resultado for uma aumento da violência, eu tiro proveito político da mesma forma. Seja fomentando uma mentalidade revolucionária onde eu possa reverter a polaridade e conduzir ideologicamente a meu favor ou até mesmo criando um estado policial justificado pelo aumento da violência que eu mesmo insuflei. A língua dupla está no coração de todo e qualquer movimento revolucionário.
Só do movimento revolucionário? 
Claro que não. A língua dupla está no coração do processo político há milênios. Por exemplo, no Brasil, em 1870, foi lançado o Manifesto Republicano no Estado de São Paulo. Esse manifesto usa da palavra democracia e expressões relacionadas – como liberdades democráticas, princípios democráticos – 28 vezes. É de tirar o cu da bunda, né não? A engenharia do processo eleitoral é sempre a mesma: nunca dar poder ao povo, apenas a aparência de poder. De preferência uma aparência festiva, alegre, fazê-lo acreditar que tem participação política através das eleições. É preciso que o povo se sinta participante e não espectador no teatro político. Mas é teatro, sempre.
E o Lula? Ele abalou as estruturas do poder?
Que nada, ele jogou bonitinho o jogo das oligarquias. Foi o populista mais eficiente da história do país. Tratou seus filhos com carinho, deu os presentes que eles queriam, mas nunca deu a educação sólida e necessária que as pessoas tomem suas decisões no futuro. É um falso pai, já que o verdadeiro pai existe para desaparecer. O populismo engendra uma população satisfeita, porém num estado de perpétua menoridade. É impossivel não se comover com os efeitos dos programas sociais: gente comendo, estudando, comprando. São os efeitos mais visíveis e nos apaixonamos, com razão, por esses efeitos. Doravante o conluio podre entre política, indústria e sistema financeiro continua irretocável. Devemos, numa pespectiva humilde, comemorar o novo Brasil? Parcialmente, acredito. Lula ampliou o desejo burguês aumentando o consumo, mas esse aquecimento da economia libidinal também pode provocar muito falta, desespero e precariedade a médio prazo. Mas a coisa mais elementar, e que a gente esquece, é que política = poder. E o compromisso do poder supera, e muito, as ideologias delirantes dos ‘homens de bem’. Os deputados e senadores, eleitos pelo povo, são ditos seus representantes ou mandatários. Sob hipótese alguma o mandante deve obedecer ao mandatário. Pelo fato do Brasil ser um país de mentalidade escravocrata altamente introjetada, fica a sensação de que o povo só tem o direito de manifestar a sua vontade quando autorizado pelos mandatários que escolheu. Ou seja, justamente o contrário de uma democracia. Bizarro, não? Resumo da ópera: poder e política só servem ao mote inconfessável de todo o progresso da humanidade.
Qual é? 
Comer cu.
Eu sinceramente acho que você queimou seu filme com uma vulgaridade tão infantiloide. Você tem a última chance de se salvar propondo uma solução para todos os nossos problemas. 
Eu tenho sim, chama-se APATIA SINCRONIZADA. Quer vir comigo?
HEY HO LETS GO!


Fica a dica: http://dinamicadebruto.wordpress.com/page/2/


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