quinta-feira, 12 de julho de 2012

Tópicos



Tópicos nómadas em torno do conceito de curadoria

Ana Guimarães *


http://www.virose.pt/vector/b_14/guimaraes.html



Harald Szeemann na Documenta
de Kassel, em 
1972.

1.

Durante a primeira metade do século passado, grande parte das exposições de artes plásticas hospedavam-se no critério dos directores de museus ou dos produtores/técnicos de exposições.

No entanto, desde os anos 20 que o interesse conferido à execução de exposições assume cada vez mais importância; designers, arquitectos e artistas como Herbert Bayer, Frederick Kiesler, Lilly Reich e El Lissitzky definem o design de exposições como parte integrante do seu trabalho, são profissionais de exposições. Segundo Mary Anne Staniszewski, «The exhibitions designs of international avant-gardes of the first half of the century can be seen as the prehistory of one of the dominant practices of contemporary visual culture: installation art». [1]

Na década de 60, autores como Seth Siegelaub e Harald Szeemann alteram a lógica de intervenção do director de museu ou do galerista. Há um forte cunho de autoria, elaboram exposições como agentes criativos, mesmo que a sua formação não esteja directamente ligada a nenhuma das áreas tradicionalmente pressupostas para tal. Bruce Altshuler sugere que «the changes in avant-garde art which took place at this time also spawned an important development in the world of advanced exhibitions, the rise of the curator as creator»[2]. Estes autores/curadores independentes vão alterar o conceito de exposição.


Trabalhos como The January Show (1969) ou Xerox Book (1968) de Siegelaub no curso de uma curadoria independente, bem como com When Attitudes Become Form (1969) ou a Documenta 5 de Kassel (1972) de Szeemann convergem para o reforço da actividade do curador enquanto autor. Para Szeemann, «a apresentação converteu-se em parte da obra»[3]. A Documenta 5 serviu, por exemplo, para «fazer explodir a exposição, fosse através da arte dos alienados, fosse através da afirmação de que a intensidade é mais importante do que mostrar artistas de forma uniforme»[4]. E, continuando a citar: «É preciso sentir uma exposição num determinado momento, não ilustrá-la simplesmente, mas antes dar-lhe uma forma mais ambiental» [5].

Nos anos 80, na sequência do florescimento do mercado e do comércio da arte, do incremento das exposições temporárias e dos museus de arte contemporânea, a actividade do curador expande-se; exposições como Chambres d’Amis (1986), organizada por Jan Hoet, à altura director do Ghent Museum van Hedendaagse Kunst, assim como as sucessivas exposições organizadas por ele e por Bart Baere – Rendez (-) Vous (1993), e This is the Show and the Show is Many Things (1994) –, assinalam o território do curador no fenómeno da arte contemporânea.

No decurso dos anos 90 iniciam-se os estudos de curadoria. A superstrutura reconhece o papel do curador, definindo-o claramente como profissão, como força estabelecida: ou seja, institucionaliza-se: «These are the years during which “curating” became a verb and the phrase “curated by” became common currency in the world of contemporary art».[6]

Dessa década, destacamos nomes como Denys Zacharopoulos, com exposições como De la main à la tête, l’objet théorique (1993); ou Udo Kittelmann (director do Kölnischer Kunstverein) com Der Stand der Dinge (1994); Jeremy Millar com The Institut of Cultural Anxiety (1995); e Hans Ulrich Obrist com Take Me (I’m Yours) (1995), exemplos que convergem para a crescente visibilidade e intensidade do papel do curador.

Estaremos, assim, perante o incremento de uma profissão multidisciplinar, ecléctica (misturando tendências opostas sem originar conflitos), interactiva[7], hedonista e egóica – referentes recorrentes da pós-modernidade.

Recortando-se na lógica pós-moderna, o curador agrupa uma série de funções que estavam disseminadas: rizomático[8], ele «é uma espécie de regente de orquestra. O elemento que acaba por aglutinar as energias individuais, que devem resultar, no fim, numa energia única»[9], acumulando ainda uma «função de mediação entre várias instâncias: o artista e a sua obra, as instituições e o público»[10]. Logo, o curador, quase à semelhança do produtor cinematográfico, tem também a seu cargo definir o catálogo, seleccionar os artistas, mediatizá-los e, inclusivamente, promovê-los, ainda que Szeemann lave daí as mãos e afirme que «uma vez terminado o trabalho, o artista pode tirar partido do que faz, eu não sou o seu dealer e já terminei a minha tarefa»[11].

Laborando no circuito da pós-modernidade o papel do curador é representativo da (des)fragmentação de referentes e da condensação de tempo(s) e espaço(s): pois é um artista(?), um produtor(?), um autor(?), um historiador de arte(?), um crítico de arte(?)... Abandonando toda a dinâmica de universalização e de unificação, característica da modernidade, dois adjectivos parecem girar doravante em torno do curador – esteta e hedonista.

O espectro do dândi de Baudelaire assombra, assim, o perfil do curador, ele é aquele que, mediante engenhos vários, capta o espírito do tempo e que, quase como uma febre, manifesta a «necessidade ardente de criar uma originalidade dentro dos limites exteriores das conveniências»[12].



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