sábado, 30 de junho de 2012

Situacionismo




Doutor em nada” (2), avesso às instituições, sem ser simplesmente um artista, um intelectual ou um ativista político, Guy-Ernest Debord (1931-1994), o fundador da Internacional Situacionista – IS, é quase inclassificável. Muito influenciado pelo movimento Dadá e também pelo Surrealismo (que depois será um dos maiores alvos de suas críticas), o jovem Debord encontrou em 1951, no festival de cinema de Cannes, um grupo com influências e interesses parecidos, os Letristas de Isidore Isou (3). Já em seu primeiro filme em 1952, Hurlements en faveur de Sade, Debord entrou em conflito com Isou (4) e deixou os “velhos letristas” para fundar nesse mesmo ano, com alguns amigos, a Internacional Letrista – IL. De 1952 a 1954 o novo grupo letrista publicou o periódico Internationale Lettriste, e de 1954 a 1957, 29 números de Potlatch (5).
As questões tratadas em Potlatch, inicialmente mais ligadas à arte, à superação do Surrealismo, e principalmente às idéias de ir além da arte, passaram a tratar da vida cotidiana em geral, da relação entre arte e vida, e, em particular, da arquitetura e do urbanismo, sobretudo da crítica ao funcionalismo moderno. Dos textos mais radicais publicados em Potlatchcontra a arquitetura e o urbanismo funcionalistas modernos podem ser citados: Construction de Taudis (6), Le gratte-ciel par la racine (7), Une architecture de la vie (8), L’architecture et le jeu (9) e Projet d’embellissements rationnels de la ville de Paris (10).
Os letristas, reunidos em torno de Debord – entre os mais influentes membros, editores de Potlatch, estavam Michèle Bernstein, Franck Conord, Mohamed Dahou, Gil Wolman e Jacques Fillon –, já anunciavam algumas idéias, práticas e procedimentos que depois formaram a base de todo o pensamento urbano situacionista: a psicogeografia, a deriva e, principalmente, a idéia-chave, inspiradora do próprio nome do futuro grupo, a “construção de situações”. Já no primeiro número de Potlatch (junho de 1954) há uma proposta de psicogeografia, Le jeu psychogéographique de la semaine:
“Em função do que você procura, escolha uma região, uma cidade de razoável densidade demográfica, uma rua com certa animação. Construa uma casa. Arrume a mobília. Capriche na decoração e em tudo que a completa. Escolha a estação e a hora. Reúna as pessoas mais aptas, os discos e a bebida convenientes. A iluminação e a conversa devem ser apropriadas, assim como o o que está em torno ou suas recordações. Se não houver falhas no que você preparou, o resultado será satisfatório”.
Vários textos letristas sobre a psicogeografia também foram publicados na revista belga Les lèvres nues (11) entre 1955 e 1956; a experiência psicogeográfica estava diretamente ligada à prática da deriva, vários textos letristas comentavam e propunham diferentes derivas, entre eles oRésumé 1954, assinado por Debord e Fillon (Potlatch, n. 14, novembro 1954):
“As grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva é uma técnica do andar sem rumo. Ela se mistura à influência do cenário. Todas as casas são belas. A arquitetura deve se tornar apaixonante. Nós não saberíamos considerar tipos de construção menores. O novo urbanismo é inseparável das transformações econômicas e sociais felizmente inevitáveis. É possível se pensar que as reinvidicações revolucionárias de uma época correspondem à idéia que essa época tem da felicidade. A valorização dos lazeres não é uma brincadeira. Nós insistimos que é preciso se inventar novos jogos”.
A idéia de “construção de situações” também surge inicialmente em Potlatch, como no texto coletivo, onde eles citam Charles Fourier (12), Une idée neuve en Europe (n. 7, agosto de 1954):
“A construção de situações será a realização contínua de um grande jogo deliberadamente escolhido; a passagem de um ao outro desses cenários e desses conflitos em que os personagens de uma tragédia morreriam em vinte e quatro horas. Mas o tempo de viver não faltará mais. Uma crítica do comportamento, um urbanismo influenciável, uma técnica de ambiências devem se unir a essa síntese, nós conhecemos os seus primeiros principios. É preciso reinventar em permanência a atração soberana que Charles Fourier chamava de livre jogo das paixões”.
continua...
http://vitruvius.es/revistas/read/arquitextos/03.035/696

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