segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Arte e contingência

A obra ou ação executada não deve se prender a um dos aspectos do fluxo da vida. O engessamento em categorias ideológicas rompe com uma das qualidades prioritárias da arte atual: a contingência.
Na década de sessenta um crítico de arte chamado Michael Fried (ex- aluno de Greemberg), inquietou-se e angustiou-se com os trabalhos minimalistas, como entrar nessas obras pelo mesmo tipo de via usada por Greemberg? Não havia nelas partes interiores cujas relações pudessem ser ponderadas...as obras minimalistas deslocavam o significado para fora do objeto, colocavam-no no espaço da experiência do espectador, daí surgiam outras relações com a obra (fenomenológicas, arquitetônicas), outras qualidades promovidas pelo entorno surgiam, para além da experiência retiniana, para além da autenticidade da obra ou da composição do objeto, uma reflexão nova sobre o nível da qualidade do instante apreendido. A qualidade da relação espectador-obra-espaço/tempo começa a ser evidenciada como algo que se corporifica externamente a partir da experiência da pessoa no espaço onde a obra se encontra, seja ao ar livre (land art, happenings, instalações) ou no cubo branco (instalações, vídeo artes, etc).
As obras passam cada vez mais a serem espaços de contingência, cujas relações interiores não podem ser ponderadas, pois deixam de existir, por serem “ocas”, tal qual nos trabalhos de Judd e Morris (veja bem, estamos falando de 1962). A importância da relação com o objeto, com o espaço e com as idéias do artista proponente da obra, passam a ser basilares para a assimilação da obra. Começa a surgir a idéia de que a obra deva ser atravessada pelo espectador, e que a palavra ou entendimento antes fornecido pelo crítico seja transmutada em experiência sensória, onde o corpo sorva de forma tautológica a obra em seu processo.
É interessante percebermos estes percursos, pois muitos se arvoram em assimilar as relações que muitos trabalhos de arte mantêm com as ruas e a cidade, atrelados por vezes, a discursos anacrônicos, sem compreensão de História da Arte. Impossibilitando a compreensão de significados que não dependem mais de formalismos e nem de “experiências” como nos trabalhos minimalistas, mas, da vivência de situações ou de acontecimentos propostos muitas vezes por alguns artistas na atualidade.
Nesse caso, uma obra ou ação ocorrida em determinado espaço (na cidade), engendra sentidos e vivência para quem participou da ação, esses sentidos construídos no momento de execução da obra estão carregados de socialidade e convivialidade, fragmentos de mundo e tem sua independência frente a discursos que visam seu encaixotamento a partir de práticas dirigidas. A independência do trabalho ocorre nesse momento quando a ação filia-se ao fluxo da vida, aos incidentes, aos imprevistos e improvisos que venham a ocorrer durante o processo na rua.
Aspectos negligenciados muitas vezes por aqueles que observam de longe a produção contemporânea. Muitos olhares ainda focados no resultado, na exposição, no espaço expositivo, no curador da mostra e não no processo, nas relações subjetivas travadas dentro do processo entre os participantes e deles com a cidade e o entorno onde se deu a ação.
Mas, como interagir com essas noções se o que foi para a galeria propõem poucas imersões no acontecido proposto pelo trabalho?
As obras hoje, mais do que experiências fenomenológicas relativo a relação espectador- espaço- obra de arte, é tarefa comunitária. Muitas vezes, são obras para serem atravessadas em sua duração, vivenciadas a partir do aceite de um convite para jantar, ou ir visitar uma antiga fábrica de castanhas em Icoarací, ou surfar em Mosqueiro. O que força, não só o espectador a vencer seus limites interpessoais e intrapessoais, mas, também o propositor quando o mesmo é levado a horizontalizar suas relações e descer do pedestal de artista seletivo, do contrário, ninguém aceita o convite e a obra não ocorre ou se ocorre, possibilita um fake na pior das hipóteses.
Porém, esses tipos de acontecimentos ocasionam alguns percalços: limites financeiros, limites de tempo, limites inter e intrapessoais, limites institucionais, limites ideológicos, que prendem a maior parte das pessoas em cubos brancos mentais, ou seja, muitos criticam os cubos brancos, saem deles teoricamente, discursivamente, mas, efetivamente não vivenciam práticas ligadas as posturas que as proposições atuais instigam, não há uma corporificação ou concretização (no sentido explorado por George Maciunas) dessas falas ou críticas.
Nesse caso, se há uma deturpação de sentido na obra quando a mesma saí das ruas e vai para a galeria, há também uma deturpação na fala sobre algumas obras, por conta dos limites da falta de vivencia dos processos de constituição da obra por parte do(a) crítico(a). Já que noções críticas ocorrem também a partir da vivencia do acontecimento (Ver na chamada metodologia do vivo ou na sociologia do presente, tais noções), e da vivencia do trabalho, quando saímos da fronteira do “eu” e nos tornamos por algum tempo “nós”, quando nos esforçamos para contribuir em um trabalho comunitário junto àquele(a) pessoa intragável a primeira vista. Nesse momento, vamos para além do cubo branco, e dos discursos formadores de grupos ou comunidades de mesmices, onde todos andam de mãos dadas bradando: “nós somos diferentes!”.
Em alguns trabalhos atuais, pouco se têm de material teórico quando a coisa já ocorreu, pois muitas vezes não é a teoria que está na berlinda e a parte do trabalho que vai para exposição não dá muitos subsídios para sua apreensão. Não há como haver um desmonte teórico da obra dentro do museu, se o objeto ali é apenas parte de um corpo que já houve na ação ocorrida, buscar por partes internas é dar ao objeto uma aura, impondo a ele uma carga de responsabilidade que não lhe compete, pautando-o dentro de uma compreensão formalista por vezes. O equívoco e a conseqüência em se pensar uma ação ou intervenção a partir de um dos dados dessa obra é a ausência da compreensão de sua origem e mera ilustração a partir de dados conceituais ou filosóficos, então, tal qual um Michael Fried da década de sessenta, muitos hoje tentam ver noções internas na obra, na parede do museu e ali asseverar valores, preconceitos, juízos e posturas, esquecendo ou ignorando a distância daquilo lá na parede, para com o acontecimento que o possibilitou estar alí.
A esperança é que a partir dessas posturas, muitos sejam – ou sintam-se – impelidos a sair de seus grupos, ateliês, gabinetes, blogs ou salas de aula, para contribuir, recombinar, participar e colaborar com projetos e processos artísticos, pois, institucionais ou não, engajados ou não, subversivos ou não, politizados ou não, essas fronteiras não fazem mais sentido. Caso contrário, correm o risco de ficarem anacrônicos, isolados e demodês, sem o saberem.
 Ricardo Macêdo
       

4 comentários:

Anônimo disse...

Desiste menino. Tu achas que alguém nessa cidade liga pra isso mesmo!?
bjin
Márcia Almeida

NOVAS MEDIAS disse...

Sim eles existem. São pessoas boas de conversar e discutir, mas, não postam ou não visitam esse blog. Vai se tentando...
Ricardo

Gil Costa disse...

Acho que é uma discussão interessante.

São muitas relações possíveis na arte de hoje, um "vale-tudo" que uns apreciam e outros criticam. A questão é: a arte nesses casos é efêmera, é processo, é vivência. Trazê-la para os espaços expositivos, ou mesmo simplesmente refazê-las, é criar OUTRAS obras.
Mas qual o problema nisso? Bem, vale aquela máxima: cada caso é um caso.

Eu acho que é bastante interessante esse envolvimento com as instituições que possibilitam esta arte processual tanto quanto a arte "objeto". Afinal, a economia também é necessária para os artistas e sua arte. É bom haver editais como o do IAP, Banco da amazônia, premiações como a dos salões ainda em vigência aqui em Belém.

No mais, achei ótimo o texto.

Anônimo disse...

Também acho uma boa discussão. Cara, esses diálogos proporcionam um momento para quem produz ou escreve sobre arte: se olhar por outros prismas, se rever a partir do olhar do Outro.
Se a última fronteira realmente for o homem, viver as situações com as pessoas ao invés de escrever sobre elas ou representá-las simplesmente, será uma necessidade futura em arte.
Se o espaço expositivo têm de ser repensado, têm de ser em vários aspectos se a gente for ver, alguns professores amigos reclamam das ações educativas formalistas, outros da arquitetura das galerias (falamos de cubo branco aqui e não tivemos nem a experiência de ter um na cidade). Mas, a galeria não é basilar nem essencial, ela é somente um dos orgãos, se a gente quer atacar alguma instância que remodele a relação da obra com a economia, acho que deveria-se começar por sí próprio: o que eu consumo? Pois, calças, óculos, drogas, bebidas, cigarro, video-games, blusas, pen drive chinês, celular ching-ling, etc, tudo isso fomenta vários sistemas e ajuda ou prejudica várias pessoas. Mas, não!! O artista não pode consumir nem participar do sistema capitalista!! por q? Porque ele é Artista oras! Isso é meio esquizofrênico né!? Enfim, valeu
pela participação e continue visitando o blog.

Ricardo M.