segunda-feira, 24 de maio de 2010

Bem no olho: Indicial é o PIXO! - 1ª PARTE

Bem no olho: Indicial é o PIXO!

Luizan Pinheiro1
“Idéias e conceitos, em arte, são sempre formados
verbal e plasticamente, de modo que não pode existir criação
crítica desvinculada de um contato direto com as obras,
assim como é ingênuo supor que se pode produzir arte
sem pensamento.”2
Eduardo Coimbra e Ricardo Basbaum

Indicial é o pixo! Este pensamento nos tomou ao visitarmos Indicial fotografia paraense contemporânea na abertura no dia 4/4 e nos dias em que seguiu a exposição no Sesc-Boulevard-Belém. Abriremos, nesta segunda crítica 3 trilhas de outros sentidos, colocando o pixo como o indicador de pulsações, que evidencia uma certa densidade urbana atravessando a Exposição-Projeto, sem contudo compô-la de fato, pois, a presença desta instigante experiência urbana, insere-se num fora-dentro, abrindo um lugar que remete aos fluxos aleatórios que os agenciam na direção da Ex-posição. Assinalamos aqui movimentos reflexivos processados no arranjo díspare desta crítica.

movimento I – cabeças rolando

A aleatoriedade compositiva a que nos referimos acima, é dada nas paredes do casarão, pelo que denominamos aqui de combate visual entre as imagens de Cabeças de boi-inscrição e a Bandeira-caveira Hakim Bey de Bruno Cantuária e Ricardo Macedo. É possível percebermos que as imagens de cabeças são anteriores ao Projeto, dado o seu apagamento, envelhecimento e a ausência de apuro técnico, o que a priori legitima este tipo de intervenção pela sua rusticidade e sujeira como densidade matérica e visual. Permite-nos inferir aquele combate visual: a Bandeira-caveira Hakim Bey intensifica a força da Cabeça de boi-inscrição e vice versa.
A imagem Bandeira-caveira Hakim Bey e as imagens Cabeça de boi-inscrição se encaram e escancaram um combate sígnico em que Bandeira-caveira afirma o tempo da pirataria e Cabeças imanta o tempo dos matadouros: carnificina explícita das matérias, dos corpos e das relações no contemporâneo. São as paredes do casarão a gestar nossas ruminações no tempo que nos açoita. Os signos são re-olhados em sua materialidade tosca e alimentam possibilidades de encontro com tantos outros solos-acontecimentos: políticos-sociais-culturais, o que nos leva a velhos-novos territórios da própria arte, que em última instância, só tem sentido na sua força de intervenção naqueles solos. E o fundamental do velho-novo território se precipita a nossa frente num Corte laser 4: Hélio Oiticica e sua bandeira com a imagem do bandido carioca Cara de Cavalo: “SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI”. E aquele combate só ganhará em potência na medida em que, das paredes-grades-janelas de Indicial, os piratas invadam outros tantos territórios com suas possíveis e incisivas sedes se sangue: “decepamento da cabeça e corte do caralho para animar a primeira página deste tecido de horrores que é (...)”5 a cidade, na in-cisão de Wally Salomão. Embandeiramento explosivo a percorrer as mais diversas reentrâncias da cidade. Cabeça de boi-inscrição, Bandeira-caveira Hakim Bey e Cara de Cavalo: pulsações políticas do desejo,6 atualizando tensões pelas mãos dos piratas locais. Inversão louca dos hálitos sessentistas de HO: Hélio Oiticica para H²O: Bruno e Ricardo.

movimento II – anjos sobre Belém
movimento II – Asas sobre Belém.

As implicações explicitas da matéria-imagem Cabeça de boi-inscrição e Bandeira-caveira Hakim Bey, anunciam uma possível projeção para o fora do casarão. Não a vida fechada que a arte permite em certos casos, mas sua condição de intervenção, a compor outro tempo e portanto outro deslocamento para olhar o cotidiano em sua pulsação. Espaços mais que abertos tal como o casarão instaura, pois dali se vê o balançar de asas, bandeiras e flâmulas foto-gráficas. O ressoar de um Win Wenders dos oitenta: Der Himmel über Berlin (BR: Asas do Desejo). Anjos Sobre Berlim, digo, Anjos Sobre Belém e seu céu tonto. Quentura e umidade no mesmo registro in natura. Trama que se gesta por um tecido urbano propício a muitos acontecimentos poéticos vertidos naquilo que já o pixo propõe e o grafite reinventa. Belém: livro de rabiscos de um maníaco no disparo de Jonathan Raban. Sem a assepsia incolor de gestores rasos, mas toda ela encontrada, fruída na sua densidade explosiva de cidade oposta a ideia de “enciclopédia” ou “empório de estilos” ao se tornar aquele “livro de rabiscos de um maníaco, cheio de itens coloridos sem nenhuma relação entre si, nenhum esquema determinante, racional ou econômico”,7 a tomar o contemporâneo marcado em todos os traços possíveis. Mapa dionisíaco propício a aumentar o grau de potência da vida com suas marcações desde sempre desmarcadas, pois, são nesse modo de ser cidade aberta que ela se enriquece no para além dos planos urbanísticos ideais. A cidade que Giulio Carlo Argan acenava como real8 se ergue desde seus indícios de beleza sórdida, e o casarão assina embaixo. Indicial é a virtude no revés do olho-pensamento. Portas-janelas abertas da percepção que o contemporâneo comporta, pois abre às leituras díspares, movimento a que todo pensamento insinua. Eis que fisgamos no coração do presente as pulsações que Indicial permite para as entranhas da cidade, podendo ser vista de diversos ângulos e que a arte pode reinventar, assinalando um maior grau de tensão que não se fecha nas aquiescências do sistema de arte, mas nos interditos que forçam a cidade a se rever, refazer, res-pirar.

CONTINUA..

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