sábado, 3 de outubro de 2009

REALIDADE ESPECULAR ONTEM E HOJE

Van Eyck (1390? 1441) foi um pintor europeu que aperfeiçoou as técnicas pictóricas em pleno renascimento, ele criou a pintura à óleo. Em uma de suas mais famosas obras, "Os esponsais dos Arnolfini" de 1434, demonstra a representação do real de uma forma inteiramente nova e que, deve ter levado seus contemporaneos acostumados a técnica da têmpera, à sensações estéticas difíceis de imaginar hoje.
Na obra "Os esponsais dos Arnolfini" existe um detalhe em particular: um reflexo no espelho atrás do casal, revela o pintor testemunhando a cena e também testemunhando a própria descoberta ou invenção. Em outras palavras, ele queria deixar no espelho da história visual seu reflexo, sua imagem especular revelando a ligação entre ele (sujeito) e aquela obra, sua criação.
No quadro de Van Eyck, o artista afirma uma de suas qualidades, ele a projeta na obra, ela vale em parte por ele e por seu feito: ele estava lá, ele tanto estava, que foi parar no próprio quadro que pintou. Hoje em dia, em nosso caso, não estamos lá! Criamos simulações que devem estar e valer por nós. Ao contrário de Van Eyck, muitas vezes fabricamos informações sem fundo de veracidade, fabricar também é informar, como diria o filósofo Vilém Flusser. E aí poderíamos nos perguntar: como estamos informando o espectador? De que modo?
A realidade virtual também é especular, no sentido de que, projetamos nossos anseios nela. Ela por vezes é a perfeição que nós não somos! Lembrem das beldades nas revistas masculinas: todas retocadas por programas de imagem, hiper-reais.
Constantemente estamos nos vendo na webcam, no orkut, no facebook, etc, para frisar aquilo que queremos ser a partir do parecer: "Essa é minha imagem ideal, pois é uma imagem pensada, vendendo um valor que eu não tenho, mas, você não tem como saber e o importante é que você ache e perceba isso como uma realidade que é minha" Então, nos servimos do virtual às vezes, para salientar que, aquilo que não posso no exterior, posso facilmente no virtual. Ao contrário de Van Eyck que estava presente e fez parte de sua invenção, nos não estamos presentes e não construimos nossas invenções, simulamos invenções, e elas "falam" por nós no virtual e espelham o ideal e não uma natureza real das coisas (cheias de ruídos e imperfeições), são articulações espelhos do Eu ideal.
E a maior parte de nós acredita. Imagens, textos no Twitter, no orkut, no Deviantart, no facebook, no Flickr (Sem falar nos líderes da simulação, The Sims, Second Life, Ragnarog), valem por nós e fazem da tecnologia um filho pródigo, eufórico em apresentar somente suas qualidades.
O papel do espectador deve tornar-se então, outro. Se não temos mais certeza da veracidade da informação ao contrário de Van Eyck que realmente inventou a pintura à óleo, sendo lícito então que afirme orgulhosamente isso. Temos de olhar e ler imagens e textos com mais cautela e senso crítico, desconfiando antes de tudo e indo atrás de outras fontes. Confirmar se aquilo que está alí vale pelo que representa. Ler imagens e alfabetizarmo-nos visualmente, procurar ver para além da superficie da imagem, seu contexto, seus signos, suas referências diretas e indiretas, dar-se ao trabalho de conhecer o outro para poder realmente reconhecê-lo em sua imagem, eis o desafio.


Ricardo Macêdo é professor de Artes Visuais e é artista visual.

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