sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sistema da arte: Repetiçao, desencorajamento e ausência de auto critica.*


                                                                                                           Ricardo Mace^do , julho de 2015.


Ha tempos atras eu trabalhei como designer de interiores e vivenciei situações curiosas: sentava por vezes ao lado do cliente, escutava suas demandas e ia desenhando o projeto de interior que ele queria, ouvindo suas sugestões e ideias malucas. Eu pontuava o que dava pra fazer, sempre em tom respeitoso, mas na maioria das vezes era uma dor de cabeça, principalmente frente a empresarios que em seu cotidiano  lidavam com numeros, planilhas, enfim, era um saco, me exigia muita paciencia, pois as vezes o cara ignorava por completo a area, o negocio dele era o capitalismo avançado, contas, lucros, disso ele entendia.




Hoje, depois de passar um tempo dentro do circuito de Design e do de Artes Visuais, achei que podia dedicar um tempo maior para conhecer e aprofundar os bastidores desse ultimo. Conhecer suas estruturas e ver como essas estruturas modelam sua organizaçao (sua aparencia). Alguns personagens sao figuras repetidas dentro desse cenario, os curadores por exemplo. Estao em todo canto do planeta, uns com mais influencia (sua rede de contatos e vinculos eh maior), sua aura se expande para alem de seu contexto territorial via bienais, textos acadêmicos, livros e vinculos com artistas contemporaneos de ponta. Mas o que importa eh o contexto onde eles estao inseridos, o zeitgeist mercadologico da arte atual.

A partir dessas reflexoes, algumas questoes começaram a surgir: ateh que ponto a arte contemporanea estah para o mercado, tal qual a prestaçao de serviços estah para o empresariado? Quem escreve e inscreve o artista no circuito, realmente? E o que ele perde com isso relativo as conseqüências dessa parceria?

A partir dessas perguntas, fui rever alguns artistas contemporaneos que conheço e tentar detectar em suas produçoes, enjeçamentos e travamentos. Ou por outro lado, baixa de qualidade no trabalho e na produção de trabalhos mais recentes (ou nos processos), por ter de responder a demandas imediatas do sistema de arte.


Mercado: kiss and violence.


O mercado de objetos de consumos, como sabemos, precisa de artimanhas de designers, marqueteiros e publicitarios para emplacar uma marca. Uma marca para um designer eh algo dificil de conceber. Lembro de passar dias tentando bolar um simbolo eficiente para um produto (com o cliente na minha orelha buzinando), limpar o símbolo para construir uma logomarca (ficar atento aos sintomas e as demandas do publico que vai consumir o produto, como se fosse uma virtude de observador de mercado). Isso evidentemente, nao tem nada a ver com etica, com eu estampar no produto minhas angustias, meu senso critico, etc. Ele eh um produto, temos de ter consciencia disso, deve ser tratado como um objeto a ser consumido, algo que possa seduzir, criar alianças imediatas com o consumidor. No caso das Artes Visuais ha um paralelo que podemos  efetivar a partir dessa situaçao.

Esse paralelo esta ligado a observaçao de alguns entraves na produçao de artistas atuais. O primeiro ponto a ser levado em conta eh relativo a uma especie de congelamento de uma determinada obra ou serie. Estabilizaçao da produçao em torno de uma fixaçao numa determinada serie de trabalhos, ou obras que deram certo (que bombaram no sistema de arte). Alguns desses artistas, congelaram sua produçao em 2006 (algo que nao sei explicar bem porque), e de lah para cah recebem convites para expor o mesmo trabalho, sempre, sempre e sempre: uma marca, afinal, que emplacou no sistema de arte, e que, se for receber modificaçoes, que sejam apenas conceituais (entenda-se: modificaçoes realizadas nos textos sobre a obra ou processo). E se houver mudanças formais, que sejam mínimas, para nao afetar o todo, a organizaçao (aparencia) da obra.

BOSCH, 10 cm x 10 cm , 2008.
BOSCH, 10 cm x 10 cm , 2010.

BOSCH, 10 cm x 10 cm , 2020!!!

O segundo ponto a ser levado em conta eh a falta de controle sobre o proprio tempo de produção da obra ou proposiçao. Lembrando que, estamos tratando de aproximaçoes entre um tempo vertiginoso (proprio do neocapitalismo) e as maneiras de fazer arte, dentro dessa temporalidade proposta pelo contexto, onde as obras de arte e artistas inevitalvelmente estao inseridos. Entao, retomando uma fala do cineasta Tiago Machado, que acho bem oportuna “o artista precisa tentar retomar o controle sobre seu tempo de criaçao, nao soh ele, como qualquer trabalhador e profissional. Porque as coisas podem chegar a um ponto em que as demandas sao tantas que sua criaçao começa a ficar o tempo todo a reboque dos convites, das exposiçoes e daquilo que voce deve fazer para o curador no proximo evento, etc. Temos de ter dominio do nosso tempo, isso eh uma forma de resistencia.” (MACHADO, p.92, 2014).

Isso de “ter tempo”, de desacelerar para perceber o entorno, o contexto em que se esta inserido, responde a uma arte de resistencia, que possibilita estar em desacordo com a temporalidade exigida pelo sistema capitalista atual ou establishment da arte atual: um tempo de lampejos frenéticos, uma temporalidade que escangalha qualquer sistema nervoso.

O terceiro ponto eh a destruição do proprio trabalho ou processo em prol de uma inserçao imediata em eventos de grande porte. Parar para repensar ou reecaminhar a produçao ou texto sobre a obra no auge da proxima mostra, frente a outras cinco no mes seguinte, nao parece ser um bom caminho dentro dessa logica do imediato, do lampejo. Talvez o melhor a se fazer seja zapear o contexto e os ismos que circulam na rede, e redesenhar o trabalho dentro desses termos. Recauchuta-lo, adapta-lo as demandas do sistema de arte. Disso, temos varios exemplos dentro de um nicho da arte contemporanea: a arte politica.

Em varias Bienais e Feiras de arte tem-se um amontoado de artistas expondo suas intempéries ou seus descontentamentos com a crise brasileira (ou mundial). Contudo, nao por que a maioria desses artistas estejam realmente descontentes, mas porque ha demandas do sistema nesse sentido (e os artistas sabem disso, nao eh preciso eu exemplificar aqui). Logo, pessoas que trabalhavam com pintura, objetos e colagens, passam hj a cumprir a agenda politica da performance, e da representação dessa performance por um mediador que possa correr a rede de computadores dentro da mesma logica do tempo frenetico: arquivos fotograficos e videograficos.

Esses três pontos ilustrados acima estabelecem uma logica do cliente: demanda, compra e consumo. E uma logica de mercado: percepçao das demandas, manutençao e resposta as mesmas.

Um pensamento legal para se levar para casa, alem do produto (que ateh pode ser interessante de se ter em uma parede da casa), eh repensar a postura do artista frente a esse momento de crise que vivemos: pode o artista reinventar sua autonomia?



Ricardo Mace^do eh Artista Visual, Pesquisador, professor da FAOP, e sem grana e paciência para revisões de textos.