sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Arte educação, agrupamentos indígenas e norte do país: Entrevista com Ednaldo Britto.

Entrevistamos o paraense/paulistano Ednaldo Britto. Arte educador e técnico em gestão cultural da Fundação Curro Velho em Belém. Ele nos fala um pouco de suas experiências e reflexões a partir de uma visão mais crítica acerca da relação entre arte educação, cultura indígena e cultura visual. Tendo como referência as viagens que realiza à alguns agrupamentos indígenas no estado do Pará.   


1.Oi Ednaldo. Primeiramente, gostaríamos de agradecer por ter aceitado o convite para a entrevista. Em segundo lugar, queremos que fales um pouco sobre essa relação entre Arte Educação (ou Artes Visuais) e cultura indígena, especificamente, no Norte do país. Isso, pensando na relação que as instituições artísticas mantêm com a cultura desses povos.

Para iniciar nosso diálogo, proponho que a relação seja entre o ensino de arte e as culturas indígenas. Ensino de arte por tratar-se do termo empregado oficialmente para designar a área do conhecimento arte no âmbito da educação escolar e culturas indígenas pelo fato de que existem hoje no Brasil cerca de 220 etnias oficialmente reconhecidas pela Fundação Nacional do Índio, cada qual com sua língua, cosmologia, arte, economia e relações sociais específicas.

A ausência de conteúdos referentes às culturas indígenas na maioria das publicações sobre Arte Brasileira é um dado que nos ajuda a compreender o grau de fragilidade e superficialidade de tal relação. Ainda hoje, são raros os livros didáticos onde podemos encontrar informações consistentes e acessíveis sobre a produção da arte indígena no Brasil. Isso mostra que a maioria das editoras ainda se orienta pela ultrapassada concepção de que a história da arte no Continente Americano teve início somente a partir da chegada dos primeiros colonizadores e que a produção de arte indígena contemporânea é irrelevante e meramente artesanal. Um equívoco corriqueiro reproduzido, inclusive, por muitos professores de arte.

Na região norte, lugar onde habita o maior número de etnias indígenas no Brasil, as “instituições artísticas” costumam lidar com o assunto de maneira bastante protocolar, realizando apenas, esporadicamente, exposições repletas de imagens de índios com traços mongolóides, cocar, arco e flecha; estereótipos que reforçam ainda mais o preconceito às etnias que não correspondem a esses padrões.




Fotografia: Walter Figueiredo/Fundação Curro Velho. 

2. Há pouco tempo você fez uma viagem para a comunidade Kikretum (índios Mebengokré, no sul do Pará), podes nos descrever o objetivo dessa viagem?

Na condição de Técnico em Gestão Cultural da Fundação Curro Velho, ligado à Diretoria de Extensão do órgão, repondo pelo trabalho de articulação, programação e acompanhamento de ações junto às etnias indígenas do Estado.

O trabalho com os Mebengokré, planejado a partir de uma perspectiva da comunidade Kikretum, consiste, inicialmente, na realização de Intercâmbio Étnico-Cultural, comercialização de objetos de arte e artesanato e realização de uma série de eventos para divulgação da cultura Kayapó. Trabalho que vem sendo realizado com a cooperação e acompanhamento das Coordenações Regionais da FUNAI de Tucumã e Marabá.

3. Proposições artísticas atualmente vêm explorando temas ligados à alteridade, ao convívio e a vivência, onde, inevitavelmente tem-se de lidar com choques culturais, ideológicos e estéticos. Na sua prática nos locais visitados, como se dá a aproximação, como que ocorrem as trocas simbólicas?
De um modo geral, a interlocução com as etnias ocorre a partir de um primeiro contato com lideranças indígenas que estejam em trânsito pela sede dos municípios do Estado, em contato com as prefeituras ou com a FUNAI, posteriormente há um diálogo direto com os caciques para que sejam autorizadas visitas as aldeias.

As tensões que podem surgir durante os primeiros encontros são em pouco tempo substituídas por uma receptividade bastante afável, expressa por gestos e diálogos muito francos e objetivos.

As Trocas Simbólicas, de acordo com o conceito proposto por Claude Levi Strauss, realmente se constituem mais significativamente no plano metafórico/simbólico do que na dimensão da simples troca material.





Fotografia: Walter Figueiredo/Fundação Curro Velho. 

4. Imaginamos que haja um choque inicial. Fala um pouco de como se dá o processo de adaptação de vocês à realidade deles, relativo ao tipo de alimentação, local para dormir, comunicação, costumes, gestos, etc.
Pesquisadores e indigenistas importantes como os irmãos Villas-Boas, Darcy Ribeiro, Sydney Possuelo e Aziz Ab’Saber foram responsáveis pela publicação de documentos e estudos científicos que se tornaram fontes de conhecimento sobre a realidade dos povos indígenas que habitam o território nacional.

Sendo assim, antes de nos deslocarmos até uma aldeia ou comunidade indígena procuramos obter o máximo possível de informações sobre a etnia que será visitada, suas condições ambientais e materiais.

Para exemplificar melhor como a questão da adaptação ocorre, podemos, com alguns adendos, comparar as visitas que realizamos a uma aldeia indígena com uma viagem para o exterior. Nas aldeias onde o contato com os não-índios ocorre de maneira intermitente, a preservação da língua original e dos costumes tradicionais nos coloca na condição que se assemelha à de estrangeiros que não dominam profundamente o idioma local e desconhecem, em parte, as regras sociais. Embora sejamos todos brasileiros.



Fotografia: Walter Figueiredo/Fundação Curro Velho. 


5. Como ocidentais, sempre estamos infelizmente, imprimindo nossos discursos sobre os do indígena. Nessa tua viagem mais recente, qual percepção tivestes da imagem que eles tem de nós?
Acredito que, de um modo geral, ainda somos vistos como invasores que ocupam suas terras e destroem suas culturas.

Um exemplo muito claro de como a nossa sociedade ainda se comporta como colonizadora e destrutiva pode ser encontrado nas aldeias Jeju e Areal dos índios Tembé de Santa Maria do Pará, município que fica a pouco mais de duas horas de viagem do centro de Belém. Cercados por fazendas e pequenos sítios particulares, os Teneteharas, como se autodenominam, vivem um verdadeiro martírio em busca da reconstrução de suas identidades e do reconhecimento de suas terras.
Podemos falar de outros casos como o dos grandes grupos de Avá-Canoeiros que habitavam as serras de Goiás e que hoje estão reduzidos a 16 indivíduos; dos Guaranis vivendo como indigentes no Mato Grosso; dos Ianomâmis ameaçados por garimpeiros em Roraima; dos Munduruku no Pará em luta contra a construção de novas barragens e hidrelétricas; dos Tupinambá tratados por muito tempo como invasores de terras na Bahia.

Sendo assim, infelizmente, ainda somos uma ameaça.



Fotografia: Walter Figueiredo/Fundação Curro Velho. 

6. Participastes de algum tipo de ritual ou pudestes assistir algum cerimonial?
Pude presenciar em visita à aldeia Kikretum, como os Mebengokré/Kayapó apreciam o exercício da “boa fala” realizada na “Casa dos Homens”.

Entre os Kayapó as questões coletivas ou políticas, são tratadas, quase que exclusivamente pelos indivíduos do sexo masculino, num imenso espaço localizado no centro das aldeias conhecido como “Casa dos Homens”.

Nessas verdadeiras ágoras contemporâneas o exercício da fala ou do discurso público é realizado durante horas de maneira profundamente sóbria e altiva. Nada é gravado ou registrado, mas o que permanece na consciência dos participantes é de uma força moral impressionante.



Fotografia: Walter Figueiredo/Fundação Curro Velho. 

7. Sabemos que os Munduruku (entre outros agrupamentos) têm objetos de culto e sabendo do interesse de compra daqueles que vem de fora, eles fabricam objetos de "culto" para venda. Tens alguma informação de como se dá esse mercado?

Sim, não apenas os Munduruku comercializam seus objetos, várias outras etnias também desenvolvem tal prática, sempre numa proporção menor que o comércio de santos, ícones e ex-votos praticado pelos não-índios, com quem aprenderam os fundamentos da economia monetária.

Descrito de maneira mais detalhada por Darcy Ribeiro, em sua tese sobre a Transfiguração Étnica, esse tipo de apropriação de hábitos e costumes não integra ou transforma os índios em não-índios, como se imaginou no passado. O que ocorre é que os indígenas modificam alguns de seus hábitos movidos pela necessidade de se adaptarem a outras realidades.

A cena marcante, registrada na década de 80, do cacique Mario Juruna utilizando um gravador para registrar as promessas feitas pelos políticos em Brasília exemplifica muito bem esta questão.


8. No Paracuri, bairro onde encontramos a maior parte das olarias (locais que produzem objetos de cerâmica) em Icoaraci (PA), percebemos em vasos, grafismos indígenas sendo substituídos por brasões de times de futebol. Consegues perceber esse tipo de estratégia mercadológica nas comunidades que visitas?

Ainda não me deparei com esse tipo de situação em nenhuma aldeia indígena, mas acredito que possa existir.

Entre os Kayapó a grande oferta de matéria prima e a praticidade provocaram a substituição das sementes e fibras naturais que empregavam na confecção de adornos pessoais por miçangas e barbantes industrializados. Porém, tal substituição, que a priori pode ser entendida como algo negativo, foi realizada com tanta maestria técnica e estética e incorporada de maneira tão veemente à cultura Kayapó que temos dificuldades para identificar algum traço de superficialidade ou inautenticidade que desqualifique tal produção.

Em Icoaraci, ao contrário do que ocorreu com os Kayapó, a substituição dos grafismos inspirados na tradição marajoara por símbolos de clubes esportivos se deu como parte de uma estratégia para ampliar a comercialização das peças, o que é de fundamental importância para as dezenas de famílias que sobrevivem do artesanato na região.

Além do mais, Icoaraci já não desfruta do privilégio de abrigar nenhuma aldeia indígena, pois entre nós belenenses a presença indígena, que outrora foi imensa, agora se resume a uma exígua sala de exposições no Forte do Presépio, símbolo da colonização, e no diminuto Memorial dos Povos, símbolo do abandono.


Mais informações:

Blog Arte Pesquisa e Ensino
http://artepesquisaensino.blogspot.com.br/

Fundação Curro Velho
https://www.facebook.com/FundacaoCurroVelho



Feira libertária. Contra repressão. Expressão


Belém, 31 de janeiro de 2014 a partir das 19h. Praça do Carmo Cidade Velha. 


Cabaret Clown

Nesta sexta-feira (31, às 20h) tem Cabaret Clown na Casa dos Palhaços, parte dos 15 anos de aniversario. Segue texto com entrevista com o convidado Juvenal Bernardes que está aqui especialmente para o evento e se apresentará também nesta sexta-feira, dentro desta programação, que segue até domingo, quando tudo encerra em ritmo de carnaval.



Cabaret Clown traz números circenses a Casa dos Palhaços
Toda a versatilidade do circo estará neste final de semana colorindo e provocando risos em Belém do Pará, cidade berço dos Palhaços Trovadores. Para o respeitável público ainda há mais três últimas ações de comemoração pelos 15 anos de carreira do grupo.
Nesta sexta-feira, 31, tem Cabaret Clown na Casa dos Palhaços (pague o quanto quiser e se quiser), e no teatro Cláudio Barradas, os espetáculos “O Menor Espetáculo da Terra”, no sábado, 1º de fevereiro, e “Ó Abre Alas”, no domingo, 2 de fevereiro (R$ 10,00 a inteira e RR$ 5,00, a meia).
Na Casa dos Palhaços a programação começa às 20h, trazendo números variados de circo. Haverá malabares com Antônio do Rosário (palhaço AM) e outras participações circenses com Karina Cristina Lima, Alex Pereira e Ronald Lima, Adriano Furtado (Geninho), Alessandra Nogueira (Neguinha), Marcelo David (Feijão) e esquetes com Cleber Cajun,  Kevin Braga, Mágico Natan, Ariane Caldas e Gilbert.
Um dos momentos especiais, porém, trará à cena os clowns com Marton Maués (Tilinho),  Isac Oliveira (Xuxo), dos Palhaços Trovadores, e Juvenal Bernardes (Batatinha - MG), al Bernardes, que veio da cidade de Divinópolis, MG, já contou histórias na Casa dos Palhaços, no último domingo, 26, e nesta sexta, 31, mostrará à plateia o seu clown Batatinha. Ele conta que está mais uma vez encantado com Belém e que fica feliz em poder estar junto dos Trovadores neste momento.
“Já tinha conhecido o Marton em Belém, em 2012, mas pude conhecer os Palhaços Trovadores em uma apresentação que eles fizeram em Belo Horizonte, ano passado, e me apaixonei por eles, são muito bons”, elogia Juvenal, que tem um grupo, em Divinópolis, chamado Cia Bora Andar, que trabalha com contação de histórias, palhaço e teatro de rua.
"Temos um espetáculo chamado ‘O amor nos tempos dos clown que tem tudo a ver com o espetáculo apresentado nesta programação dos Trovadores, o Amor Palhaço. É que a essência do clown é a mesma em qualquer lugar, esse não medo de errar ou ser ridículo é que nos  faz apaixonar pelo clown”, compara.
No Cabaret desta sexta, Juvenal vai apresentar o Batatinha. “Ele é um cara que se acha muito esperto, quer levar vantagem em tudo, mas não é assim a vida. Ele é simpático e brincalhão. Vou mostrar no Cabaret Clown um número que criei há um tempo e terei ao meu lado dois Trovadores, o Tilinho (Marton Maués) e o Xuxo (Isac Oliveira). Vamos mostrar algo inspirado no Muppet Show, vocês vão gostar”, avisa Juvenal.
Pesquisa de clow no Brasil - Para Juvenal isso é muito sério. E cita como exemplo os trabalhos dos Trovadores, além de outros espalhados pelo país.
Texto e fotos: Luciana Medeiros (assessoria de imprensa)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Oscar 2014 - 1º Parte





A temporada para o Oscar 2014 começou. Neste período, eu crescentemente fico alarmado com o poder por trás de toda a parafernália da indústria cinematográfica americana. Enfim, não que não haja qualidade em alguns dos filmes por lá selecionados, mas é preocupante quando observamos os cinemas do país inteiro empenhados por lançar a maioria dos títulos desta premiação antes da cerimônia televisionada, bem como constatamos uma autenticação massiva por parte da imprensa nacional de que lá está o melhor da sétima arte. Será?
Há tanto cinema mais importante e que não ganha a mesma atenção por nossas paragens. Cannes, Veneza e Berlim, por exemplo, são premiações/ festivais mais plurais, preocupadas com os novos rumos da imagem, da interculturalidade fílmica e de valorizar produções independentes, feitas no território das tentativas de condições possíveis, nem sempre ideais. Há, em outra instância, mas não muito diferente, a mesma valoração em nosso país, quando ocorrem os nossos grandes festivais de cinema? Creio que não.
Nós temos certo tipo de influência pelo poderio cultural do Oscar. E é sempre bom ter isso em mente, antes de só defendermos títulos e diretores que podem, muitas vezes, não passar de grandes redes de publicidade.
 Decidi abrir esta temporada de caça com Trapaça O Lobo de Wall Street. E para não perder a oportunidade de comentar algo incrível para a cidade de Belém, optei também por trazer meus comentários para a obra do cineasta Lars Von Trier, Ninfomaníaca.





01 – O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese: eu realmente vejo como as plateias tem mudado. Lançar este filme hoje, em pleno ano de 2014, deveria causar menos desconforto, não é? Há algum tempo atrás, as obras de Scorsese também eram tão incorretas, sujas, se não mais violentas (é só lembrar de Caminhos PerigososCassinoOs Bons Companheiros, grandes referências), mas pareciam não ganhar tamanha reclamação. Parece acontecer, hoje em dia, um conservadorismo esquizoide em grandiosidade, o qual faz muitos se esquecerem de pensar que uma obra de ficção não precisa ser um manual de autoajuda e de bons modos.
Este novo filme do diretor americano tem tudo: um roteiro bem amarrado, montado pela fabulosa Thelma Schoonmaker, e que aborda o centro nervoso das operações financeiras americanas, Wall Street, suas corrupções e ilusões; uma atuação muito boa de Leonardo DiCaprio, inspirado por todo o modus operandi de pastores evangélicos e vendedores de Herbalife e Amway; um ator coadjuvante revelador interpretado pelo Jonah Hill, o mesmo do engraçado Superbad; planos de câmera precisos; e uma trilha sonora cool, porém nada invasiva.
Alguns podem até achar excessivo, mas a atmosfera over, embalada pelo maior índice de fucks proferidos na história do cinema recente, faz a experiência de quase 03 horas da obra passarem voando. 






02 – American Hustle, de David O. Russell: aqui eu vejo problemas. Por sinal, gosto deste diretor, o qual me chamou a atenção em Huckabees e depois em O Vencedor. Entretanto, este seu novo filme, ganhador de título ruim no Brasil, Trapaça, é desejoso, ingênuo e que tem seu melhor momento no trailer.
O filme se passa em plena década de 1970, período inquieto para muitas cidades americanas, ainda mais se tratando do submundo da máfia e das festas da era disco, quando uma dupla de vigaristas age, em várias frentes, para lucrar (Bale e Adams) com seus golpes. O que ocorre? Bem, não há nenhum consumo de drogas, nada de violência, quase nada de palavrões, total ausência de sexo e uma higienização tão conservadora e lúdica, a qual nos faz acreditar que a intenção da produção era a de fazer com que o filme pudesse ser enquadrado na sessão infantil.
O filme é tão correto que irrita, assim como a interpretação chata do Bradley Cooper interpretando, mais uma vez, a si mesmo. Logo após a sessão, eu comecei a achá-lo uma bobagem para receber prêmios. E tem mais! Para além das atuações da Amy Adams e do Christian Bale, a obra é um interminável vídeo clipe, com grandes sequências em que a narrativa usual desaparece com alguma música legal, somente. Diga-se de passagem que a trilha sonora interfere tanto, mas tanto, que passamos a acreditar que praticamente não houve texto no roteiro (algo que me lembra o medíocre do Zack Snyder e o repetitivo Quentin Tarantino, destaque neste último para sua recente fase pretensiosa).
Sobre a Jennifer Lawrence: a moça é boa, mas sua atuação no filme tem suas derrapadas. Acredito que ela está muito novinha para ser alçada, compulsoriamente, ao patamar de nova queridinha de Hollywood. Ninguém pode mais amadurecer? Há uma sequência, por sinal, que a J-Law dubla Paul McCartney que eu não gostei mesmo.





03 – Ninfomaníaca, de Lars Von Trier: último capítulo da Trilogia da Depressão (ótimo título de trilogia este, hein?), ao lado de Anticristo Melancolia. Esta primeira parte do filme do cineasta dinamarquês chega às salas de cinema de Belém, subverte a publicidade do sexo para algo no nível do insosso e do esvaziado, e transforma o apelo do erótico em um mensageiro deliberadamente cínico.
 A história é bem simples: uma mulher, interpretada, mais uma vez, por Charlotte Gainsbourg (Joe), é socorrida pelo ator Stellan Skarsgård (Seligman) e resolve lhe contar toda sua narrativa pessoal, a qual lhe levou até aquele momento. Sabido disso, temos à frente um manifesto que beira o misógino sobre a construção cultural dos relacionamentos, sobre o impedimento moral da liberdade do prazer, analogias com o universo da música, da pescaria e da imagem experimental, experiências travadas entre dois personagens com visões distintas de conceber o mundo.
Por sinal, vi muita gente reclamando ao término da obra, pois a mesma tinha sacanagem de menos, ou se tinha, a transformava em algo sem clímax. Sem comentários a respeito desse tipo de ideia. Até parece que a pornografia não está ao alcance de todos na Internet. De qualquer forma, uma sacada válida desta obra reside na recepção, ou na expectativa interrompida – um tipo de fantasia frustrada.


John Fletcher